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Mostrando postagens com o rótulo escrevinhadas quixotescas

DIANTE DAS FACES DE JANO

Quando nos aproximamos do final de um ciclo, é natural que germine em nosso íntimo uma certa inclinação para a reflexão, que nos convida a meditarmos um cadinho a respeito de tudo o que foi vivenciado por nós. Meditativos, em meio a regozijos e arrependimentos, voltamos nossos olhos para trás e revivemos em nosso coração nossas alegrias e tristezas, os desafios que encaramos e superamos e, bem como, os obstáculos que enfrentamos e que nos deixaram em vários pedaços. Lembramos dos males que fizemos, das feridas que nos foram causadas, e isso tudo, inevitavelmente, nos leva a ponderar sobre o sentido da vida e a respeito da natureza da justiça. Aí, meu amigo, quando entramos nesta sintonia, a porca torce o rabo, e torce bonito, porque nossa noção sobre a virtude da justiça é torta e nosso entendimento sobre o sentido da vida é estreito. Por conta disso, o jardim de nosso coração, ao final de um ano, encontra-se tomado de inúmeras ervas daninhas, como a buva do arrependimento, a guanxuma ...

OS CRÍTICOS DO PAU OCO

Quando uma palavra passa a ser utilizada em demasia pela grande mídia e pelos autoproclamados “bem-pensantes”, é sinal de que o pobre vocábulo acabou perdendo praticamente todo o seu crédito cognitivo. Quando isso ocorre, ela passa a ser utilizada para sinalizar qualquer coisa e, por isso mesmo, termina significando coisa alguma. E isso, cara pálida, é uma tremenda enrascada porque abre as porteiras da vida para toda ordem de barbaridades. Um bom exemplo disso são os usos e abusos da palavra “crítico”. É educação crítica para cá, é opinião crítica para lá, pensamento crítico acolá; enfim, é um Deus nos acuda porque a única coisa que se faz presente em meio a tanta pretensa criticidade é o espírito de rebanho que, por sua própria natureza, sufoca qualquer possibilidade de uma opinião serena, de um pensamento independente e de uma educação emancipatória. Mas é claro que nós não iremos vestir, jamais, essa carapuça porque, “sacumé”, nós somos “críticos de fato”, não apenas de nome, como...

COMPLEXO DE CHICÓ

Se tem um trem que as pessoas na sociedade moderna gostam de se ufanar é das suas opiniões e, quando se vangloriam disso, fazem questão de destacar que as suas opiniões sobre tudo e sobre todos não são opiniões chinfrim; nada disso, meu amigo, elas são “opiniões críticas”. Mas o que há de tão especial nisso para nos gabarmos? Como nos lembra o professor Gregório Luri, quando alguém começa a dizer que é muito crítica, a única coisa que esse abençoado está querendo dizer é que despreza e rechaça tudo aquilo que destoa dos seus pontos de vista e que irá tratar a pão de ló qualquer pataquada que esteja de acordo com tudo aquilo que ela supostamente pensa. Ui! Eu escrevi que muitas pessoas supostamente pensam? Sim. Eu queria ver — ah, como eu queria — essas mesmas alminhas críticas realizarem um inclemente exame de consciência sobre suas formosas opiniões a partir de uma questão, tão simples quanto modesta, como essa: quantas das nossas amadas e idolatradas opiniões são apenas e tão somen...

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #026

Tal como a um falsário que cunha moedas falsas, os indivíduos com a alma embebida no cientificismo não se cansam de nos propor uma falsa imagem do ser. # Nascemos no tempo, mas não encontramos a nossa medida e razão de ser no tempo. # A cultura é o espelho amplificador da nossa vida espiritual. # Amizade é destino. Amigo não se escolhe, encontra-se. # Um escritor é o professor do seu povo, como nos ensina Soljenítsin e, por isso, um grande escritor é, por assim dizer, um segundo governo. Eis aí a razão por que nenhum governo, em parte alguma, ama os grandes escritores, só os menorzinhos. # Todo ser humano, em alguma medida, é feito de um sutil contraste de luz e sombra. # Quem tem amor no coração sempre tem algo para oferecer. Quem tem tudo, menos amor no coração, sempre sente falta de algo, de muita coisa; só não sabe dizer do quê. * Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “REFAZENDO AS ASAS DE ÍCARO”, entre outros livros. http...

COM QUANTAS VIRTUDES SE FAZ UM HERÓI?

Todo herói, por sua própria natureza, é uma figura controversa, e o é por inúmeras razões. De todas as razões, há duas que, no meu entender, seriam intrínsecas à condição de personagem notável. A primeira refere-se à própria condição humana. Todos nós, sem exceção, somos contraditórios, motivados muitas e muitas vezes por desejos conflitantes, impulsos desordenados, paixões avassaladoras, e por aí seguimos em nosso passo demasiadamente humano. E os heróis, humanos que são, nesse quesito não diferem de nós. O que os distingue de nós é a forma como eles lidam com os seus conflitos internos e com sua natureza desordenada. A segunda seria o fato de que a forma como um personagem elevado à condição de herói é apresentado à sociedade. Dito de outra forma, de um modo geral, todos os heróis acabam refletindo os valores e ideias do tempo presente, daqueles que o reverenciam, não necessariamente as ideias e valores que eram, de fato, defendidos por ele quando estava realizando a sua jornada po...

PARA QUE A REPÚBLICA NÃO DESMORONE

Hannah Arendt nos ensina que a educação é o alicerce de uma república. É através de uma formação sólida que se edificam as bases sobre as quais os cidadãos poderão construir as suas vidas e desenvolver de forma plena a sua participação na sociedade. Por essa razão, não se deve brincar com a educação, nem agir de forma leviana em relação a ela, porque é através dela, da forma como ela é constituída, que se desenha o futuro e se edifica a personalidade dos indivíduos. Sobre esse ponto, José Ortega y Gasset nos chama a atenção para um fato que, muitas e muitas vezes é esquecido por nós: se almejamos saber como será a sociedade em que vivemos daqui a uns trinta anos, basta que voltemos os nossos olhos para aquilo que é vivenciado hoje nas salas de aula. Não tem erro, nem "lero-lero"; ali encontra-se o germe do futuro que nos aguarda. E tendo essa preocupação em mente, preocupação essa que há muito fora manifestada pelos dois filósofos acima citados, é que a professora Inger Enkvi...

NÚMEROS FORA DO PRUMO

Quando vamos avaliar a qualidade de alguma coisa, para constatar se esta tem realmente alguma valia, é imprescindível que o critério utilizado por nós seja claro, substancial e justo. Se não for assim, não tem essa de “mamãe a barriga me dói”, porque os juízos advindos da nossa avaliação terão o valor de um vintém furado, e olhe lá. Quando se procura apresentar a boa qualidade dos resultados de algo, como a educação, as primeiras coisas que são exibidas são números que, muitas vezes, são obtidos de uma forma bastante duvidosa e divulgados de uma maneira um tanto problemática. E assim o é porque se mostram elementos quantitativos como se fossem sinônimos de um dado qualitativo. E sejamos francos: qualquer um que faça isso, bom sujeito não é. Ainda sobre a forma como esses números são obtidos, é importante indagar sobre os critérios utilizados para nortear a verificação e quais os fins que se pretendem atingir com a utilização deste ou daquele critério. Ora, se os critérios são claros...

POVO MARCADO, POVO FELIZ

Nos anos 90 do século passado, estreou um programa televisivo chamado “Você Decide”, onde em cada episódio era apresentada uma historieta e o público era convidado a escolher entre dois desfechos possíveis. Boleiras de telespectadores votavam através do número telefônico que era fornecido pelo programa. Era um grande sucesso de audiência e um grande experimento de psicologia coletiva. Podemos dizer que as "tretas" que, hoje, são orquestradas nas redes sociais não são muito distintas das votações que eram realizadas nos anos 90 no referido programa. Em ambos os cenários, os indivíduos tinham e têm a sensação de que sua opinião supostamente teria alguma relevância frente aos acontecimentos. Sem dúvida alguma, o efeito manada é uma força significativa, o que, por seu turno, não significa que essa força seja o produto de uma ação autoconsciente. Todas as vezes que nos entregamos aos deleites midiáticos, que nos são regalados pelas telinhas e pelas telonas, em regra, estamos tã...

NÃO ERA APENAS UM RETRATO

Roland Barthes há muito havia dito que no século XXI seria analfabeto não somente aquele que não sabe ler e escrever, mas também aquele que não sabe interpretar uma imagem. O tempo passou e cá estamos nós, no finalzinho do primeiro quarto deste século e, mais uma vez, ele tinha razão. Atualmente, somos bombardeados por imagens e condicionados a dedicar-lhes pouca atenção e, com uma pressa desmedida, vamos olhando tudo, sem observar nada, para ao final emitir um juízo superficial e tosco como tudo o mais. Para realmente cultivarmos alguma profundidade em nosso olhar, é imprescindível que aprendamos a nos demorar diante daquilo que está diante do nosso olhar e apreciá-lo com atenção. É necessário que nos permitamos aprender a fazer perguntas para as imagens, não para simplesmente criticá-las, mas sim, para conhecermos melhor tudo o que está para além do que foi retratado. Um bom exemplo disso é o ensaio “Sobre um auto-retrato de Rembrandt” de Paul Ricoeur, onde o mesmo apresenta algum...

PARA CALÇAR AS VELHAS SANDÁLIAS

Tem gente que fica ansiosa para saber quais serão os ganhadores do Oscar, outros acompanham apaixonadamente os campeonatos futebolísticos; enfim, todos nós, cada um no seu quadrado existencial, queremos saber quem são os melhores entre os melhores em alguma atividade humana que toca o nosso coração. Eu, com minhas idiossincrasias, gosto de, todo ano, saber quem é o vencedor do Nobel de literatura. Não fico, de jeito-maneira, acompanhando as discussões e especulações sobre os nomes que poderão vir a ser laureados, nada disso. Gosto apenas de saber quem recebeu os louros. A razão para isso é muito simples: para mim, ficar sabendo quem é laureado por tão distinto prêmio é um tremendo exercício de humildade porque, na grande maioria das vezes, eu nunca, nunquinha, havia ouvido falar do abençoado, tamanha é minha ignorância. Aliás, se deitarmos nossas vistas na lista dos escritores que foram brindados com esse reconhecimento, veremos que a grande maioria nos são ilustres desconhecidos e ...

DEIXE A NOTÍCIA ENVELHECER

Um dos mantras que é repetido à exaustão no terceiro milênio é o de que devemos nos manter sempre bem informados porque, como dizia Abelardo Barbosa , "quem não se comunica se trumbica". E é bem provável que eu e você já cobramos isso dos outros e de nós mesmos, mas, por mil raios e trovões, realmente precisamos estar atentos a todos os acontecimentos que foram destacados no último minuto e que são atirados em nossas ventas pela grande mídia? Foi o que eu pensei. E tem outra: se formos petulantes além da conta, iremos notar que tudo aquilo que nos é noticiado só ganha sentido e contexto com o passar do tempo, porque é apenas o tempo que nos propicia o distanciamento que é imprescindível para compreender-se algo com alguma profundidade. Quando uma série de notícias e factoides começa a tomar conta do cenário midiático, mais do que depressa veremos os nossos ânimos se alterando, turvando nossa compreensão, limitando o nosso entendimento e excitando o nosso desejo de, como direi...

MEIO FORA DE PRUMO

Quando olhamos para o cenário educacional atual, muitos procuram falar da melhora sensível da sua qualidade devido ao aumento no número de instituições de ensino que se fazem presentes. E, de fato, hoje temos mais escolas. Diante disso, lembramos o ressabiado filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que em seu livro “A arte de escrever” nos chama a atenção para o fato de que o número elevado de escolas não é garantia da melhora da educação ofertada às tenras gerações. Às vezes, é um indicador do contrário. Aliás, basta que matutemos um pouco para verificarmos que simplesmente empilhar alunos em salas não garante uma boa formação, da mesma forma que, como nos lembra a professora Inger Enkvist, obrigá-los a frequentar o espaço escolar sem exigir o esforço indispensável para que eles gradativamente amadureçam com a aquisição de responsabilidades — que é o elemento que caracteriza o ato de aprender — é um equívoco sem par que, em breve, apresentará suas desastrosas consequências. Na real, o ba...

POR UM O PONTO ARQUIMÉDICO

O filósofo polonês Leszek Kolakowski nos ensina que, quando começamos a cogitar a possibilidade de sermos uma grande farsa, é o momento em que realmente estamos iniciando nossa jornada pelas sinuosas veredas da filosofia. Se não somos capazes de olhar de frente as nossas misérias demasiadamente humanas, é sinal de que a nossa alma ainda se encontra mergulhada no fundo de uma caverna lúgubre, feito o Gollum do “Senhor dos Anéis”, que não se cansa de ficar acariciando o seu precioso, ao mesmo tempo que se divorcia da realidade. Podemos dizer que no mundo atual somos uma multidão de Gollums vagando de um lado para o outro, cada qual com o seu precioso, perdendo a lucidez, que é a pior cegueira que há, como nos lembra José Saramago. Falta de lucidez essa que nos torna cegos para o mal que se encontra aninhado em nosso coração e que nos impede de reconhecer a humanidade daqueles que odiamos - e que desumanizamos - sem saber porquê. Hannah Arendt, em “As Origens do Totalitarismo”, nos exp...

NO PARAÍSO OCULTO DAS LETRAS APAGADAS

Paul Johnson, no livro “Inimigos da Sociedade”, afirmava que uma das grandes delícias da vida é poder compartilhar suas ideias e opiniões. Bem, estou a léguas de distância do gabarito do referido historiador, mas posso dizer que, de fato, ele tem toda razão. É muito bom partilhar o pouco que sabemos com pessoas que, muitas vezes, nos são desconhecidas, pessoas que, por sua vez, pouco ou nada sabem a nosso respeito. E essa imensidão de desconhecimento que existe entre autores e leitores deve ser preenchida para que aquilo que está sendo compartilhado possa ser acolhido. Vazio esse que só pode ser preenchido por meio de um sincero e abnegado desejo de conhecer e compreender o que está sendo partilhado e de saber quem seria o autor desse gesto. Para realizarmos essa empreitada, não tem "lesco-lesco": será exigida de nós uma boa dose de paciência, dedicação, desprendimento e amor pela verdade. Bem, é aí que a porca torce o rabo, porque no mundo contemporâneo somos condicionados...

PARA QUE AS PANELAS SEJAM FURADAS

Eugen Rosenstock-Huessy, em sua obra “A origem da linguagem”, nos ensina que quando os amigos não mais conseguem se entender, temos uma crise. Agora, quando os inimigos não mais são capazes disso, temos uma guerra. E isso acontece quando as palavras perdem o seu valor, devido ao uso inapropriado que as inflaciona com toda ordem de significados subjetivos, inviabilizando qualquer discussão minimamente razoável. Por essa razão, Confúcio, em seus “Analectos”, nos lembra que todo aquele que queira trazer paz e justiça para a sociedade, antes de qualquer coisa, deve procurar retificar as palavras para que as pessoas possam realmente vislumbrar as realidades às quais elas se referem e não apenas as impressões turvas advindas de termos carregados com toda ordem de vícios retóricos e ideológicos. Exemplos de distorções abundam no mundo contemporâneo e, por conta disso, não é à toa, nem por acaso, que o cenário que vislumbramos diante de nossas vidas é o que é: nem um pouco alvissareiro. Se par...

PARA QUE O FRACASSO NÃO SUBA À CABEÇA

É salutar que, quando o assunto é educação, procuremos garantir que todos, como nos lembra Fernando Sabino, iniciem sua jornada do mesmo ponto de partida. No entanto, querer que todos obtenham os mesmos resultados no ponto de chegada, além de ser uma impossibilidade, é uma crueldade. Essa observação, à moda mineira, feita pelo referido escritor, segue o mesmo caminho apontado pela professora Inger Enkvist, que nos lembra que é extremamente temerário um sistema educacional que exige muito pouco — ou que exige praticamente nada — dos estudantes em seus anos de formação. No caso brasileiro, é um pouco pior, porque, além de pouco exigir dos jovens, ainda quer, a todo custo, incutir em suas cabecinhas que eles são protagonistas da construção do seu próprio conhecimento. Não são poucas as autoridades políticas e acadêmicas que dizem aos quatro ventos que as aulas devem ser mais “interessantes”, “diferenciadas”, etc., para atrair os alunos, que devemos investir mais em “metodologias ativas”, ...