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Mostrando postagens de julho, 2023

DIÁRIO DE INSIGNIFICÂNCIAS E INCONGRUÊNCIAS (p. 44)

Qualquer um que não tire a palavra problematizar da boca - nem para escovar os dentes, ou para assoar o nariz - por mais que tente parecer boa gente e simpático, não conseguirá esconder de ninguém a sua singular e soberba condição de indivíduo criticamente chato.   #   #   #   No Brasil tudo é possível. Tudo. Se aqui, nestas plagas cabralinas, foi possível existir Machado de Assis, Nelson Rodrigues e demais figurinhas e figurões de naipe similar, tudo é possível.   #   #   #   Quem me dera poder ter em minha cumbuca, um estalo similar ao que teve Padre Vieira na sua cachola que, segundo se conta, passou a entender tudo, tintim por tintim, após o dito-cujo do estalo.   #   #   #   Francamente, penso que deveria ser ensinado nas escolas, para toda gurizada, coisas como: dança de salão, karatê, kung Fu, Capoeira, culinária, marcenaria e demais artes. Em um curto prazo de tempo, os infantes iriam entender de forma cristalina a importância da ordem e da disciplina para o aprendizado de qual

O PASSO CLAUDICANTE DA PALAVRA MUTILADA

Quanto mais uma palavra circula pelas ruas e vielas que dão forma àquilo que convencionamos chamar de opinião pública, mais ela vai perdendo sua substância, chegando ao ponto de, inclusive, significar, ou sinalizar, algo que seja literalmente o contrário do seu sentido originário.   Um exemplo interessante disso nos é apresentado pelo escritor israelense Amós Oz [1], quando esse nos chama a atenção para os usos e abusos que são feitos com a palavra amor.   Para tanto, como bom artífice da palavra, ele nos chama a atenção para o óbvio ululante, que é tão tola e soberbamente desdenhado por nós. É o seguinte: uma pessoa é apenas capaz de amar verdadeiramente, no máximo, umas vinte pessoas. E tem outra: se essa pessoa for amada por outras vinte, com certeza ela pode se considerar um sujeito afortunado.   E por que ele nos diz isso? Porque todas as vezes que vemos um caboclo bradando aos quatro ventos que ama todos os brasileiros, toda a América Latina, toda a humanidade, pode ter certeza q

DIÁRIO DE INSIGNIFICÂNCIAS E INCONGRUÊNCIAS (p. 43)

O fato de termos feito algo que preste em nossa vida não significa, necessariamente, que sejamos uma pessoa boa, da mesma forma que termos feito algo reprovável não significa que sejamos, fundamentalmente, uma má pessoa.   #   #   #   Muitas são as ilusões que palpitam no coração humano, muitas, mas a maior de todas provavelmente é a crença de que podemos controlar tudo. Não apenas uma das maiores, como também, uma das mais perigosas. Todas as vezes que alimentamos essa ilusão de querermos controlar tudo, tintim por tintim, é justamente quando, sem nos darmos conta, acabamos por ficar sem nenhuma autoridade.   #   #   #   O otimista é um imbecil satisfeito, faceiro da vida por qualquer coisa. Já o pessimista é um idiota desgostoso, que vive pau da vida com qualquer ninharia.   #   #   #   Enaltecer, ou depreciar, os grandes vultos da história é um exercício estéril, logo, estúpido.   Por isso mesmo é imprescindível que nos esforcemos, com um mínimo de sinceridade, para compreendê-los.

O ESPELHO DE OJESED E O CÁLICE DE CICUTA

Sermos capazes de olhar para o nosso passado e sentirmos que fracassamos é um claro indicador de que não despirocamos de vez. Aliás, como certa feita havia sido dito pelo filósofo Leszek Kolakowski [1], quem nunca experimentou a sensação de ser um charlatão, no fundo, não passa de uma alma superficial, indigna de atenção.   Se nós nunca tivemos essa sensação, pode ter certeza de que há algo de muito errado conosco. Muito errado mesmo. Agora, se porventura, nós já sentimos nossa garganta ficar apertada por conta desse tipo de impressão, há um detalhe que merece nossa atenção. No caso, é a nossa inenarrável capacidade para justificar os nossos erros e fracassos, o nosso grande potencial para nos autoenganarmos.   Quando a nossa consciência pesa e nos acusa, mais do que depressa realizamos o movimento de nos colocarmos na defensiva, argumentando contra os apontamentos feitos por ela, justificando de mil e uma maneiras nossos erros diante dela. E, desta forma, sem nos darmos conta, acabamo

SEM DÓ, NEM PIEDADE

Uma vez ou outra, um e outro jovem, sempre acabam me interpelando com uma pergunta que eu, quando tinha a idade deles, também fazia. A pergunta cabeluda, no caso, é: se Deus é bom, como Ele permite que exista tanto mal no mundo? Como pode um trem assim?   Acredito que todo mundo, em muitos momentos da vida, acabaram sendo assediados por essa indagação que, naturalmente, tem sua escandalosa razão de ser.   Bem, mas voltemos ao ponto: como havia dito, quando moço, tive meu coração invadido por esse tipo de dúvida que, confesso, causava-me grande angústia e, por isso mesmo, toda vez que um jovem vem até mim com algum questionamento similar a esse, de certa forma, vejo-me nele. Compreendo a angústia que comprime o seu peito.   Por essa razão, apresento nestas linhas, tortas e mal escritas, algumas considerações que podem ser encaradas como uma resposta possível que, com o passar das décadas, fui colhendo pacientemente e que, de modo gradativo, foi tratando as feridas dolorosas que tanto ju

DE PERTO, TUDO FICA EMBAÇADO

Uma postura comumente adotada por nós, quando deitamos nossas vistas nas linhas tortas da História, é a de primeiramente julgarmos como boas e más, justas e injustas, todas as personagens que integram os mais variados cenários que vão se desenhando através das sinuosas linhas do tempo.   Ora, quem nunca fez isso que atire a primeira pedra sem dó.   Por essa razão, e por inúmeras outras, que o historiador Marc Bloch nos ensina que não deveríamos nos portar como juízes das gerações passadas, porque não o somos. Na verdade, somos seus aprendizes ou, ao menos, deveríamos nos portar assim.   Nós estudamos História para aprender com a experiência vivida e sofrida pelos outros, não para nos sentirmos superiores às gerações que nos antecederam.   Em resumida contas, ele nos convida a termos uma postura compreensiva frente ao que foi vivido pelos nossos semelhantes, que nos antecederam aqui, neste vale de lágrimas.   Procuro não me esquecer desse conselho do grande mestre da “Escola dos Annales

O PRÓPRIO CUERA

Um dia desses, logo após entrar em sala de aula, em uma turma do Ensino Médio, um aluno aproximou seu olhar de um dos livros que eu carregava comigo naquela ocasião. Havia largado o dito-cujo sobre a mesa para ministrar a minha aula (hum… que chique, para ministrar minha aula).   Ele olhou a capa e soltou uma baita gargalhada por conta do nome do autor da obra “Dias idos e vividos”, dizendo para o colega que estava na carteira ao lado: “Olha só o nome do homem: José Lins do Rego”. Sim, o próprio baita cuera.   Ora, todos sabemos o que se passou pela cabeça do garoto. Na verdade, na minha passa a mesma imagem toda vez que tomo um livro da autoria do referido autor em minhas mãos e, bem provavelmente, pela sua também, não é mesmo?   Pois é. A diferença é que o garoto, sem maldade, ousou rir de algo que, de fato, é risível, diferente de nós que, muitas e muitas vezes, rimos, maldosamente, de coisas que estão a léguas de distância de vir a ter um pingo de graça.   Escrevinhado por Dartagna