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Mostrando postagens de julho, 2022

O GRANDE COMBATE

A oração, como dizem os simples com sua sabedoria, é o alimento da alma. Os santos dizem o mesmo e, até onde sei, o conselho dos primeiros, e bem como a instrução dos segundos, são uma verdade cristalina que somente os avoados fazem questão de ignorar.   Mas a oração não é apenas o alimento da alma. Ela é muito mais do que isso. Ela também é um combate, uma peleja que somos convidados a travar todo santo dia contra os nossos impulsos animalescos, contra as nossas concupiscências, contra os subterfúgios do mundo que nos arrastam para os abismos da perdição e, é claro, contra aquele que é nosso inimigo desde o princípio.   Por ser uma luta diária, a oração exige de nós uma boa dose de disciplina e da consequente e indispensável constância advinda dela. Constância e disciplina que, juntas e bem misturadas, formam aquilo que os santos padres do deserto chamavam de ascese.   Bem, aí está um conceito pra lá de interessante. Ascese era, desde os idos da Grécia antiga, a prática de exercícios

RABISCOS E BORRÕES DE UM CADERNO VELHO (p. 01)

Não há - não tem como haver - boa intenção onde não existe amor pela verdade. (15/12/2021)   #   #   #   Onde não há limites claros não existe a menor possibilidade para realizar a tal da educação. E se alguém diz que não entende a razão da afirmação dessa obviedade ululante é porque, além de ter um entendimento estragado a respeito da questão, possivelmente está com o seu coração cheio, até a tampa, com as mais tortas e cínicas intenções. (15/12/2021)   #   #   #   Tamanho é o caos mental que impera em nossa época que, para muitos, o amor à verdade é entendido como sendo um perigosíssimo discurso de ódio. Já para outros, o despeito histriônico seria sinônimo de uma refinada erudição. E há aqueles que, diferentemente desses dois trens fuçados, creem que a moderação afetada seria o suprassumo da prudência. (15/12/2021)   #   #   #   Para as mentes criticamente críticas, o amor à verdade seria apenas e tão somente uma invencionice tão reacionária quanto perigosa. (15/12/2021)     #   #  

DIÁRIO DE INSIGNIFICÂNCIAS E INCONGRUÊNCIAS (p. 09)

Um caboclo mau, uma vez ou outra, até pode fazer algo de bom; porém, um sujeito covarde, não apenas jamais fará algo bom, como também dificilmente, algum dia, irá realizar alguma coisa que preste.   #   #   #   As únicas coisas que ficam em cima do muro são as cracas e os cacos. Ou seja: nada que preste.   #   #   #   É fácil pra dedéu ficarmos, num canto qualquer, tecendo comentários mil sobre a "indubitável" paspalhice manifesta pelos outros, especialmente se os paspalhos da vez forem nossos desafetos e, é claro, quando tomamos como referência isolada, para tecer tais comentários, nossa suposta superioridade em relação a eles. Agora, a porca torce o rabo, e torce bonito, quando somos forçados pelas circunstâncias [sempre por elas] a encarar de frente esse tipo de impostura de nossa parte e termos de admitir, a contragosto, o quanto que nós somos patéticos, escandalosamente patéticos, patéticos pra dedéu.   #   #   #   O ato de criticar algo se refere, especificamente, a cap

LATIDOS, LATIM E OUTROS BICHOS

Há determinados chavões, repetidos de forma exaustiva, que maliciosamente encobrem uma montoeira de maus hábitos que são zelosamente cultivados por nós. Um desses chavões, sem dúvida alguma, é a palavra “crítica” que, literalmente, é usada para tudo, inclusive, se duvidar, como supositório, menos, infelizmente, para indicar aquilo que ela de fato se refere.   Dito isso, troquemos em miúdos: uma crítica, antes de qualquer coisa, é um ato de apreciação. Aliás, como bem nos lembra Nicola Abbagnano e José Ferrater Mora, se formos procurar a origem da referida palavra, iremos constatar que a dita cuja vem do grego e se refere, especificamente, a capacidade de emitir julgamentos, de separar e classificar situações, de selecionar problemas e propor soluções para os mesmos, de peneirar miudezas e grandezas, de distinguir valores e assim por diante.   Ou seja, o ato de criticar seria algo que, na maioria absoluta das vezes, nada tem que ver com essa mania, compulsiva e inconsequente, de querer

DIÁRIO DE INSIGNIFICÂNCIAS E INCONGRUÊNCIAS (p. 08)

Tudo nesta porca vida tem sua hora. Tudo, tudinho. A encrenca toda começa quando nos damos conta de que nós acabamos, na maioria das vezes, reconhecendo a dita cuja da hora certa muito tempo depois que ela já passou e se empirulitou. Passou e se foi de uma vez por todas para se perder em definitivo nas brumas do tempo, que não volta mais, e do arrependimento, que não nos deixa em paz.   #   #   #   Quem diz que lê qualquer coisa, inclusive bulas de remédio - na falta de algo mais interessante para deitar as suas vistas - com o perdão da palavra, esse tipo de caboclo bem provavelmente está mentindo descaradamente, porque todo aquele que realmente gosta de ler não procura ler qualquer coisa só para dizer que está sempre lendo algo. Quem realmente devota-se à leitura sabe que nem tudo que é riscado numa folha merece a atenção dos nossos olhos. Não apenas isso. Quem de fato gosta de ler sempre tem algo interessante consigo para deleitar as suas vistas e para alimentar a sua alma.   #   #  

MUITO ALÉM DOS LIMITES DO ATRASO

Monteiro Lobato, muito conhecido entre nós por conta das aventuras do Sítio do Pica-pau Amarelo, era uma dessas figuras raras que, de tempos em tempos, aparece na história de uma sociedade e alumia os seus patrícios com a presença do seu trabalho.   Detalhe tão importante quanto triste: o taturana é muito mais conhecido por essa obra de sua lavra, não porque ela tenha sido lida por nós, mas porque acabou sendo adaptada várias vezes para a televisão. Não apenas isso. Grande parte das pessoas desconhece por completo todas as demais obras que ele havia escrito e bem como todas as demais atividades que ele havia empreendido em sua vida que, diga-se de passagem, nada tinha que ver com literatura infantil adaptada para televisão.   Em suas obras, que não eram voltadas para gurizada, uma das coisas que ele procurava chamar a atenção dos seus contemporâneos, era para a visão tacanha que nossas elites – política, econômica, cultural e intelectual – tinham dos problemas brasileiros e, é claro, p

QUE PREGUIÇA!

  Adquirir a dita cuja da disciplina é uma das coisas mais difíceis que existem na face da terra. Não importa a idade, sejamos crianças, jovens, adultos ou idosos, não são poucas as pessoas que lamentam por não conseguirem realizar algo que consideram importante para suas vidas por não serem capazes de agir com alguma retidão.   Infelizmente, muito maior é o número de pessoas que procuram justificar a sua falta de disciplina - na realização de seus projetos pessoais e no cumprimento de seus deveres - projetando a culpa pela sua falta de êxito, em alguma causa externa, seja ela de ordem meramente material, ou de fundamento superficialmente sentimental.   Seja como for, qualquer um desses caminhos necessariamente é inaceitável, porque a raiz da falta de disciplina que muitas vezes nos invade, e se apodera da nossa vida, é fruto de uma tremenda falta de capacidade de comprometimento da nossa parte e, a falta de empenho nada mais é do que o resultado de uma formação que não prima pelo cult

MUITO ALÉM DO PARAÍSO PERDIDO

  Fim de aula. Na verdade faltavam alguns poucos minutinhos para que o sinal fizesse eco pelos corredores do colégio e, enquanto aguardávamos o abençoado tilintar, aproveitei para comentar com os alunos a minha experiência com a leitura do livro “Paraíso Perdido”, leitura essa que a muito se perdeu nas brumas da minha memória, mas que muitas das impressões que tive, na época, ainda se fazem presentes em minha agrisalhada alma.   Enquanto tecia alguns comentários pra lá de pessoais a respeito desta obra de John Milton, um aluno, de forma jocosa, disse-me que não adiantava nada falar aquelas coisas para ele porque ele não gosta de ler e que dificilmente um dia iria criar gosto por isso. Outros, prontamente, concordaram com o colega.   Bobagem. Repito: uma tremenda bobagem. Quando qualquer pessoa me diz que não gosta de ler, sei que ela não sabe o que está dizendo. Na real, o problema não está no ato de ler, mas sim, nos livros que chegam às suas mãos para que eles tenham que deitar as

DIÁRIO DE INSIGNIFICÂNCIAS E INCONGRUÊNCIAS (p. 07)

Sem um mínimo de perseverança e constância em nossa vida nós teremos tudo, tudinho, para sermos um baita de um zero à esquerda.   #    #    #   Por trás de todo tirano há um recalcado acuado, da mesma forma que atrás das poses de indignação afetada de todo e qualquer hater engajado, há um tiranete, recalcado como todo postulante a tirano, doido, doidinho para destruir a vida de qualquer pessoa que tinha a infelicidade de cometer o disparate de não apenas pensar de uma maneira que eles desaprovam, mas também e principalmente, de ousar dizer publicamente o que pensam.   #    #    #   Apenas são realmente felizes aqueles que procuram, na medida de suas limitações, ser úteis. Dito de outro modo: apenas somos realmente maduros quando nos esforçamos, de forma abnegada e sincera, para servirmos àqueles que suplicam, de forma silente ou não, o auxílio de uma mão gentil.   #    #    #   O homem não é a medida de todas as coisas, nem da nossa intratável vaidade. Cristo

CURIOSIDADE FRÍVOLA

O historiador Lucien Febvre nos ensina que o conhecimento histórico não pode, de jeito maneira, ser apreendido com automatismo, como se esse fosse processado de forma similar às engrenagens de uma máquina rudimentar. Nada disso. O conhecimento histórico deve sempre, necessariamente, ser problematizado. Todo escrito histórico deve apresentar-se como história-problema, nunca como um ponto final.   Bem, é importante, antes de qualquer coisa, esclarecer que o ato de deitar as vistas num escrito desse feitio, de uma história-problema, não é de modo algum similar a essa mania pueril de ficar procurando chifres em cabeça de cavalo que acabou por tomar conta da cumbuca de muita gente. Não mesmo.   Aliás, como bem nos adverte o velho ditado popular russo: um único idiota é capaz de levantar tantas questões [idiotas] que nem mesmo mil sábios seriam capazes de responde-las. Bem, a história-problema não procura levantar esse tipo de encrenca.   Dito isso, sigamos com o andor: problematizar algo se

UM CAUSO DO POETINHA

  Vinícius de Moraes contava que, certa feita, uma tia-avó sua havia lhe dito que, numa noite dessas, que se extravia pelas ruelas da memória, um passarinho, digo, uma pomba, toda branquinha, tinha pousado na janela da sala da sua casa.   A senhora, que segundo o poetinha era muito boazinha, foi se aproximando lentamente da janela e, com docilidade, conseguiu pegar o bichinho sem muito esforço e, a pombinha, segundo ela, era tão graúda quanto mansinha.   Com a ave em suas mãos, reparou que havia numa de suas patinhas um anel metálico e que nele tinha alguma coisa escrita.   Vinícius, que era um moleque curioso da moléstia, mais do que depressa, com sua imaginação a mil, perguntou para a sua titia se o pombo do causo, por acaso, não seria um “pombo-correio”. A tia sorriu discretamente, olhou para o nada por alguns segundos e, em seguida, voltou a mirar os olhos do seu sobrinho-neto, dizendo-lhe que, de fato, era um bichinho tão bonitinho quanto mansinho, enfatizando, de forma plácida,