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UM CASTELO DE CARTAS PÚTRIDAS

Somos uma sociedade espiritualmente adoecida. Aos olhos de qualquer bom observador, isso é algo evidente; mas, infelizmente, devido ao turbilhão de informações de importância questionável, que nos prende junto à poeira da superficialidade, acabamos por não dar a devida importância a esse fato.

 

Um dos traços desse adoecimento é a grande confusão de valores que invadiu a alma contemporânea, turvando de forma atávica a percepção dos indivíduos e pervertendo o senso das proporções que, como todos sabemos, é a base do discernimento, é a coluna de sustentação da consciência.

 

Se o amigo leitor, juntamente com seus alfarrábios, acredita que estou tomado por um delírio de ocasião, vejamos alguns dados que, penso eu, podem ilustrar melhor os efeitos que isso tem em nosso campo de percepção.

 

Segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2019, 95% dos alunos concluíram o Ensino Médio sem um conhecimento adequado de matemática e 69% sem o nível esperado em língua portuguesa.

 

Vejamos outro: uma pesquisa recente nos informa que 8 em cada 10 professores já sofreram algum tipo de agressão no ambiente escolar; 78% já sofreram alguma agressão verbal, 41% alguma forma de violência psicológica e 10% já foram vítimas de alguma forma de agressão física.

 

É, meu caro Watson, por essas e outras que as ideias e ideais em matéria de educação, cheinhas de boas intenções, acabam sendo inócuas, porque ignoram essa nódoa, que é a destruição da autoridade docente, que está no cerne desse castelo de cartas sem naipe algum.

 

E, nesse quadro, todos, repito, todos, sem exceção, têm sua cota de responsabilidade, desde os doutos em educação até os políticos e burocratas que vivem encastelados em suas sinecuras.

 

Repito: esse quadro doentio é fruto direto da desconstrução da autoridade docente; da aprovação, com critérios vagos, para obtenção de índices bonitinhos (mas ordinários); do engessamento do dia a dia escolar, que se vê sufocado pelo centralismo burocrático imposto pelo Estado.

 

Enfim, o grande problema da educação não está na sala de aula; está fora dela; e o fato de ignorarmos isso, de não colocarmos essas questões no centro da discussão, em si, é um claro sinal de que nós, enquanto sociedade, estamos mui enfermos, como se fôssemos uma legião de Simões Bacamartes em pleno século XXI.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela




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