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TALVEZ SEJA TARDE DEMAIS

Gustavo Corção, em seu livro “As Fronteiras da Técnica”, afirma de forma categórica que não teme a bomba atômica. O que ele realmente teme é a mão que segura a caneta, a mão dos políticos e burocratas que determinam os rumos a serem tomados e que afetarão a vida de muitíssimas pessoas.

 

Lembro-me dessa passagem da obra de Corção devido a um dado que, por razões não tão ocultas assim, não ganhou e não está ganhando a atenção que deveria receber. No caso, é o triste fato de que, segundo pesquisas, os alunos brasileiros seriam os mais indisciplinados, desregrados e licenciosos do mundo.

 

Esse dado vergonhoso nada mais é do que o resultado da mentalidade que se formou a partir das concepções pedagógicas que norteiam as políticas públicas em nosso país. No correr de décadas, essa mentalidade transformou o espaço escolar em uma terra de ninguém, um espaço instável onde as regras não são claras. Nesse cenário, exige-se de forma atávica que os professores realizem a façanha de educar crianças e jovens que, como direi, praticamente não têm obrigação alguma.

 

A professora Inger Enkvist, em seu livro "Repensar la Educación", nos chama a atenção para o óbvio ululante: para que a escola possa desempenhar seu papel, é imprescindível que haja um clima de ordem e paz, tendo em vista que aprender exige uma grande dose de esforço, atenção e concentração, e isso não é algo que brota espontaneamente.

 

Infelizmente, essa necessidade gritante é frontalmente ignorada por políticos, burocratas e doutos diplomados, para infelicidade geral das futuras gerações.

 

Ora, quando não mais causa escândalo vermos alunos agredindo verbal, moral e fisicamente professores, quando o comportamento displicente deixou de ser visto como algo inapropriado para o ambiente escolar, quando a correção do erro passou a ser vista como “um erro”, é sinal de que não mais sabemos a diferença abissal que há entre mimar e educar.

 

Lembremos: corrigir, muitas vezes, é desagradável. Ser corrigido não é algo confortável, mas sem isso não há educação.

 

Como nos lembra Ortega y Gasset, em seu livro “Origen y Epílogo de la Filosofia”, o respeito pela verdade é a base da cultura. Se não procurarmos encarar de frente esses fatos e repensarmos nossas concepções sobre a educação para corrigirmos o rumo que tomamos, amanhã poderá ser tarde demais, se já não for.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela



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