Pular para o conteúdo principal

A VIDA COMO ELA É

Todos queixam-se que a vida está acelerada. Todo santo dia é a mesma coisa, aquela correria que invade a olhar sem pedir licença, acomodando-se em nossa alma sem a menor cerimônia.

 

Os dias voam, mesmo não tendo asas. As horas se dissipam feito fumaça de cigarro, levando os momentos que dão forma, cor e sentido à nossa jornada por esse vale de lágrimas.

 

E o trem descamba de vez quando nos aproximamos dos dias em que as cortinas, de mais um ano que se despede, se fecham, sem deixar ao menos um bilhetinho de despedida sobre a mesa.

 

Nestes dias, o coração bate mais forte, o suor corre num passo frio pelos sulcos rasos do nosso rosto, desejoso de tornar-se um caudaloso rio.

 

E nesse açodamento de querer fazer não-sei-quê que toma conta do nosso ser, acabamos ficando indiferentes ao amor, insensíveis a dor dos nossos semelhantes, apáticos diante da realidade que invade nossa vista, impassíveis perante a nossa própria humanidade, indolentes diante da majestade de Deus e, sem nos darmos conta, terminamos por nos alienar de nós mesmos.

 

Para que não nos precipitemos no abismo de uma vida esvaziada de propósito pela voracidade da hiperconectividade, para que os frutos pútridos desses tempos turbulentos que testemunhamos não venham aninhar-se em nossa alma, urge que tenhamos paciência.


Sim, paciência não é tudo, mas é imprescindível.

 

Aliás, a Sagrada Família de Nazaré, nos ensina a sermos pacientes. Se meditássemos sobre isso com a devida atenção, e com a indispensável devoção, compreenderíamos com clareza que grande parte das aflições que nos apoquentam não são dignas de tamanha preocupação.

 

Muitas das nossas inquietações não têm a urgência que atribuímos a elas; da mesma forma, inúmeras outras coisas que deveriam estar no centro da nossa atenção, não estão.

 

Queixamo-nos, frequentemente, de tudo e de todos, mas poucas vezes dizemos eu te amo para quem precisa ouvir essas palavras; raras vezes paramos para ouvir, atentamente, o que os outros têm a nos dizer, mas queremos porque queremos ser ouvidos por Deus e por todos, como se fôssemos o centro de toda a criação.

 

Enfim, a vida é simples, tão simples quanto a manjedoura que recebeu Deus; o Deus que se fez pequenino para nos mostrar o caminho, a verdade e a vida, para nos resgatar do abismo de nós mesmos.

 

Feliz Natal.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #026

Tal como a um falsário que cunha moedas falsas, os indivíduos com a alma embebida no cientificismo não se cansam de nos propor uma falsa imagem do ser. # Nascemos no tempo, mas não encontramos a nossa medida e razão de ser no tempo. # A cultura é o espelho amplificador da nossa vida espiritual. # Amizade é destino. Amigo não se escolhe, encontra-se. # Um escritor é o professor do seu povo, como nos ensina Soljenítsin e, por isso, um grande escritor é, por assim dizer, um segundo governo. Eis aí a razão por que nenhum governo, em parte alguma, ama os grandes escritores, só os menorzinhos. # Todo ser humano, em alguma medida, é feito de um sutil contraste de luz e sombra. # Quem tem amor no coração sempre tem algo para oferecer. Quem tem tudo, menos amor no coração, sempre sente falta de algo, de muita coisa; só não sabe dizer do quê. * Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “REFAZENDO AS ASAS DE ÍCARO”, entre outros livros. http...

PARA QUE A REPÚBLICA NÃO DESMORONE

Hannah Arendt nos ensina que a educação é o alicerce de uma república. É através de uma formação sólida que se edificam as bases sobre as quais os cidadãos poderão construir as suas vidas e desenvolver de forma plena a sua participação na sociedade. Por essa razão, não se deve brincar com a educação, nem agir de forma leviana em relação a ela, porque é através dela, da forma como ela é constituída, que se desenha o futuro e se edifica a personalidade dos indivíduos. Sobre esse ponto, José Ortega y Gasset nos chama a atenção para um fato que, muitas e muitas vezes é esquecido por nós: se almejamos saber como será a sociedade em que vivemos daqui a uns trinta anos, basta que voltemos os nossos olhos para aquilo que é vivenciado hoje nas salas de aula. Não tem erro, nem "lero-lero"; ali encontra-se o germe do futuro que nos aguarda. E tendo essa preocupação em mente, preocupação essa que há muito fora manifestada pelos dois filósofos acima citados, é que a professora Inger Enkvi...

COM QUANTAS VIRTUDES SE FAZ UM HERÓI?

Todo herói, por sua própria natureza, é uma figura controversa, e o é por inúmeras razões. De todas as razões, há duas que, no meu entender, seriam intrínsecas à condição de personagem notável. A primeira refere-se à própria condição humana. Todos nós, sem exceção, somos contraditórios, motivados muitas e muitas vezes por desejos conflitantes, impulsos desordenados, paixões avassaladoras, e por aí seguimos em nosso passo demasiadamente humano. E os heróis, humanos que são, nesse quesito não diferem de nós. O que os distingue de nós é a forma como eles lidam com os seus conflitos internos e com sua natureza desordenada. A segunda seria o fato de que a forma como um personagem elevado à condição de herói é apresentado à sociedade. Dito de outra forma, de um modo geral, todos os heróis acabam refletindo os valores e ideias do tempo presente, daqueles que o reverenciam, não necessariamente as ideias e valores que eram, de fato, defendidos por ele quando estava realizando a sua jornada po...