Pular para o conteúdo principal

DONA FRANCISCA – EM MEMÓRIA

 

O poeta Stéphane Mallarmé nos ensina que a eternidade nos transforma enfim naquilo que nós éramos, naquilo que, durante a vida toda, trabalhamos para nos tornar.

 

Podemos falar isso a respeito dos grandes vultos que povoam a história, como também podemos afirmar o mesmo a respeito de cada um nós que aqui se faz presente. Mas não é a respeito dos primeiros, nem dos segundos, que dirigimos essas precisas e preciosas palavras de Mallarmé, mas sim, sobre ela, Dona Francisca da Silva Caldas, chamada de forma afetuosa pelos parentes e amigos simplesmente de “Tia Chica”. É. Ela não gostava desse apelido e, por não gostar, acabou ficando, como todo e qualquer apelido.

 

Dona Francisca era nativa desse rincão, filha de Ismael Blém, o “TiusMaia”, e de Doraci Ribeiro, a “Tia Dora”.

 

Sua meninice e mocidade foram vividas na comunidade de Santo Antão que, antigamente, quando Reserva do Iguaçu ainda era “Rondinha”, chamava-se Invernadinha.

 

Ela nos contava que adorava um bom baile. Não perdia um. Inclusive houve um onde ela, mesmo com os pés cheios de calos e bolhas, dançou da primeira até a última moda. Essa era uma das muitas coisas em comum que ela tinha com seu companheiro, Orivaldo Ferreira Caldas que, também, não perdia um baile desde sua mocidade.

 

Dona Francisca casou-se com Seu Orivaldo, tiveram três filhos e viveram juntos por 36 anos, até que o Altíssimo a chamou para junto Dele. Lutaram trinta e seis anos juntos, um do lado do outro, enfrentando todos os problemas e desafios que a vida lhes enviava.

 

Mas, acima de tudo, Francisca da Silva Caldas foi professora. Desde muito jovem ela se dedicou ao magistério, ensinando as primeiras letras para meio mundo de gente. Provavelmente, muitos dos que hoje são cidadãos plenos neste município, aprenderam a ler, escrever e a calcular com ela, que exerceu tão nobre e desvalorizado ofício durante vinte e cinco anos de sua vida, até que aposentou o giz e a lousa.

 

Além das primeiras letras, Dona Francisca também iniciou inúmeras crianças no conhecimento dos ensinamentos da Santa Madre Igreja, como catequista zelosa que era.

 

Agora, façam as contas e irão perceber que o número de pessoas que aprenderam a aprender com dona Chica é bem grande. Enquanto professora e catequista, muitas foram as pessoas que tiveram seus caminhos iluminados com a presença atenciosa de Dona Francisca.

 

É difícil de estimar, mas o número de pessoas que foram por ela iluminadas é bem graúdo.

 

Além disso, ela também atuou como documentadora escolar, junto à Secretaria Municipal de Educação, durante a primeira gestão de Reserva do Iguaçu e, todo o zelo e presteza que ela antes aplicava em suas aulas, agora ela imprimia no cuidado para com a burocracia da pasta que ela integrou.

 

Após findar sua missão como professora, documentadora e catequista, Francisca da Silva Caldas ousou abrir um novo caminho para sua família, idealizando e criando uma panificadora, a conhecidíssima “Panificadora Tia Chica” que, como todos sabemos, tornou-se um ponto de encontro de muitos amigos que, ao final da tarde, ou mesmo no meio da manhã, lá iam para tomar um café com leite, comer um pastel e assuntar um pouco.

 

E em todos esses anos que Dona Francisca viveu entre nós, ela sempre amou, nas horas vagas, que não eram muitas, dedicar-se aos seus bordados, crochês e demais artes similares. Quando as lides do dia a dia davam uma aliviada, ela descansava com suas linhas e agulhas e, sempre fazia isso, cantarolando uma infinidade de canções religiosas, especialmente, “mãezinha do céu, eu não sei rezar...”.

 

Na verdade, ela fazia praticamente tudo, tudo, tudinho, cantando. Porque quem canta, seu males espanta. Porque quem canta, como nos ensina Santo Agostinho, reza duas vezes.

 

Enfim, como todos nós sabemos, e sabemos muito bem, Dona Francisca, a nossa Tia Chica, adorava uma boa xícara de café. Não tinha tempo feio, não havia tarde triste, não, qualquer momento era, para ela, um bom momento para passar um bom café.

 

Provavelmente, se ela estivesse agora entre nós, ela estaria discretamente ao fundo, vendo tudo, atentamente, com uma xícara de café nas mãos. Mas ela não está mais entre nós, já faz um tempo. Algum tempo.

 

Por isso, hoje, estamos homenageando ela que, com toda certeza, está agora cantarolando junto às hierarquias celestes, bordando pacientemente uma toalha, com uma xícara de café ao seu lado, assistindo a esse momento que foi planejado, feito e pensado, para ela.

 

Enfim e por fim, como havíamos dito no início, a eternidade nos transforma enfim naquilo que nós éramos. Essa é Dona Francisca da Silva Caldas, e sempre será a nossa “Tia Chica”.


Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.





Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O ABACAXI ESTÁ EM NOSSAS MÃOS

Dia desses, eu estava folheando um velho caderno de anotações, relendo alguns apontamentos feitos há muito tempo, e entre uns rabiscos aqui e uns borrões acolá, eis que me deparo com algumas observações sobre o ensaio "La misión pedagógica de José Ortega y Gasset", de Robert Corrigan. Corrigan faz algumas considerações não a respeito da obra do grande filósofo espanhol, mas sim sobre o professor Ortega y Gasset e sua forma de encarar a vocação professoral. O autor de "La rebelión de las masas" via sua atuação junto à imprensa como uma continuação de suas atividades educacionais, onde apresentava suas ideias, marcava posição frente a temas contemporâneos e, é claro, embrenhava-se em inúmeros entreveros. Ele afirmava que, para realizarmos com maestria a vocação professoral, é necessário que tenhamos nosso coração inclinado para um certo sacrifício heroico, para que se possa realizar algo maior do que nós mesmos: o ato de levar a luz do saber para os corações que se ve...

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #009

Todo orgulhoso se borra de medo da imagem das suas incontáveis imperfeições.   #   Onde não há preferência sincera, há indiferença cínica.   #   Tudo termina tragicamente quando a paciência finda melancolicamente.   #   O impulso de querer racionalizar tudo é o maior inimigo da racionalidade e do bom senso.   #   A verdadeira história da consciência individual começa com a confissão da primeira mentira contada por nós para nós mesmos.   #   Frequentemente somos firmes por pura fraqueza e audaciosos por mera teimosia.   #   Podemos usar as novas tecnologias para sermos reduzidos a uma escravidão abjeta, ou nos servirmos delas para lutarmos para preservar a nossa liberdade interior e a nossa sanidade.   *   Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “REFAZENDO AS ASAS DE ÍCARO”, entre outros livros. https://l...

NÃO IGNOREMOS OS OMBROS DOS TITÃS

Nós não somos apenas os caminhos que percorremos, os tropeços que damos, as circunstâncias que vivemos. Somos também e, principalmente, o modo como encaramos os nossos descaminhos, a forma como enfrentamos nossas desventuras, a maneira como abraçamos o conjunto desconjuntado da nossa vida. Como nos ensina Ortega y Gasset, é isso que somos; e se não salvamos as nossas circunstâncias, estamos condenando a nós mesmos.   Dito de outro modo, podemos olhar para nossa sombra e lamentar a nossa diminuta condição ou, em vez disso, podemos nos perguntar, de forma resoluta, o que podemos fazer de significativo com o pouco que temos e com o nada que somos.   Para responder a essa espinhosa pergunta, mais do que inteligência e sagacidade, é preciso que tenhamos uma profícua imaginação, tendo em vista que pouco poderá ser compreendido se nossa imaginação for anêmica.   Lembremos: nada pode ser acessado pela nossa compreensão sem que antes tenha sido devidamente formulado pe...