Pular para o conteúdo principal

ENTRE FRASES CRÔNICAS E PALAVRAS AGUDAS

No livro “Esconderijos do Tempo”, Mário Quintana nos diz que poemas são como pássaros. Chegam não se sabe de onde, pousam nas páginas que estamos lendo e, quando fechamos o livro, alçam voo para outros prados, porque os benditos se alimentam dos momentos líricos que escorrem entre as mãos do leitor. Alimentam-se e partem sem se despedir porque, a poesia, alimenta a nossa alma, ao mesmo tempo que dela se alimenta.

 

Quanto à crônica, a pegada é outra. Ela exercita a nossa mente.

 

A crônica é tida por muitos como sendo um gênero literário menor, por não almejar grandes voos. Mas isso não a diminui de jeito-maneira. No meu entender, com suas poucas palavras, a crônica pode nos arrancar do marasmo do picadeiro do imediatismo imponderado para atirar-nos na arena da reflexão.

 

Na finitude das suas palavras, uma crônica, como diria Rubem Braga, faz-se aguda, e com um tiro certeiro pode ferir nossas convicções levianas e valores artificiosos. É aí que reside a sua magnificência.

 

Faz-se pequenina para suscitar reflexões em nossa consciência; para agigantá-la, dilatando e ampliando e nosso entendimento.

 

C. S. Lewis, por sua deixa, em seu livro “Sobre História”, nos conclama a sempre lermos de uma forma tão cuidadosa quanto criteriosa, para não emitirmos juízos de valor através de uma crítica atabalhoada.

 

Infelizmente, há em nós um impulso que nos leva facilmente tanto ao elogio fácil quanto à crítica injusta e, tal impulso, toma frequentemente como referência as expectativas tortas que nutrimos em relação ao autor e que, consequente, projetamos sobre o texto. E isso, como todos nós bem sabemos, é um preconceito pra lá de sem vergonha.

 

Preconceito esse que nos leva, muitas vezes, a condenar ou louvar um autor por algo que ele nunca havia escrito, como nos adverte Umberto Eco. E isso ocorre justamente porque lemos de forma apressada ou preguiçosa, ao invés de nos fazer presentes, por inteiro, no ato de ler.

 

A leitura de uma crônica, como de qualquer outro escrito, pede que procuremos dar tempo ao tempo, que nos recolhamos no silêncio para que nossa vida seja alumiada pela procura amorosa pelo conhecimento da verdade. E isso, de certa forma, é urgente, porque a vida é breve.


Ela é breve, mas a leitura sempre deve ser densa para exercitar a nossa mente e alimentar a nossa alma.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela



Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

POR UM O PONTO ARQUIMÉDICO

O filósofo polonês Leszek Kolakowski nos ensina que, quando começamos a cogitar a possibilidade de sermos uma grande farsa, é o momento em que realmente estamos iniciando nossa jornada pelas sinuosas veredas da filosofia. Se não somos capazes de olhar de frente as nossas misérias demasiadamente humanas, é sinal de que a nossa alma ainda se encontra mergulhada no fundo de uma caverna lúgubre, feito o Gollum do “Senhor dos Anéis”, que não se cansa de ficar acariciando o seu precioso, ao mesmo tempo que se divorcia da realidade. Podemos dizer que no mundo atual somos uma multidão de Gollums vagando de um lado para o outro, cada qual com o seu precioso, perdendo a lucidez, que é a pior cegueira que há, como nos lembra José Saramago. Falta de lucidez essa que nos torna cegos para o mal que se encontra aninhado em nosso coração e que nos impede de reconhecer a humanidade daqueles que odiamos - e que desumanizamos - sem saber porquê. Hannah Arendt, em “As Origens do Totalitarismo”, nos exp...

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #021

Uma sociedade onde criticar as instituições democráticas é uma impossibilidade pode ser qualquer coisa, menos uma sociedade democrática. # É com a crítica e a autocrítica que uma democracia se aperfeiçoa e se fortalece. Sem isso, ela fenece e se torna uma tirania que, ironicamente, continuará a se apresentar como democracia. # As pelejas políticas nunca são decididas em um único ato. Elas são lentamente desenhadas pela mão não tão invisível do "destino", que é guiada pelo braço do longo prazo. É apenas com o passar do tempo que os atos políticos do presente revelam sua forma e significado. # A construção do conhecimento não pode ser encarada como uma linha de montagem. # Estar publicamente ocupado não é o mesmo que ser produtivo. # Não existem equipes que são essencialmente ruins; o que existe são equipes mal conduzidas por aquilo que poderíamos chamar de líderes "reborn". # As lições que a vida nos apresenta só são difíceis de ser assimiladas por aqueles que fazem ...

NO PARAÍSO OCULTO DAS LETRAS APAGADAS

Paul Johnson, no livro “Inimigos da Sociedade”, afirmava que uma das grandes delícias da vida é poder compartilhar suas ideias e opiniões. Bem, estou a léguas de distância do gabarito do referido historiador, mas posso dizer que, de fato, ele tem toda razão. É muito bom partilhar o pouco que sabemos com pessoas que, muitas vezes, nos são desconhecidas, pessoas que, por sua vez, pouco ou nada sabem a nosso respeito. E essa imensidão de desconhecimento que existe entre autores e leitores deve ser preenchida para que aquilo que está sendo compartilhado possa ser acolhido. Vazio esse que só pode ser preenchido por meio de um sincero e abnegado desejo de conhecer e compreender o que está sendo partilhado e de saber quem seria o autor desse gesto. Para realizarmos essa empreitada, não tem "lesco-lesco": será exigida de nós uma boa dose de paciência, dedicação, desprendimento e amor pela verdade. Bem, é aí que a porca torce o rabo, porque no mundo contemporâneo somos condicionados...