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ESTULTICE GREGARIAMENTE ADQUIRIDA

Graciliano Ramos, e outros feras do mesmo calibre, eram conhecidos por lerem dicionários. Para nós, reles mortais, tal hábito pode parecer apenas uma excentricidade, porém, há uma razão para tal prática.

 

O autor de “Memórias do Cárcere”, em uma entrevista, havia explicado que ele considerava a leitura de dicionários algo de suma importância porque é imperioso que procuremos pesar as palavras, compreender a profundidade e amplitude de cada uma delas para sabermos utilizá-las de forma adequada e, é claro, para conseguirmos, com a indispensável reverência, captar com o máximo de clareza possível, aquilo que está sendo partilhado conosco por meio delas.

 

Tal observação, no mundo atual, possivelmente poderá não encontrar abrigo no coração de muitos, tendo em vista que tornou-se um lugar comum afirmar que ler seria somente a atribuição de significados, não um esforço sincero para apreender uma realidade que foi codificada por meio de palavras.

 

Quando o esforço para compreender algo acaba sendo substituído pelo ato lúdico, e irresponsável, de simplesmente dizer o que [supostamente] se entende, ao invés das palavras atuarem em nossa alma como pontes para nos ajudar a adentrar em realidades, que até dado momento nunca foram imaginadas nem pensadas por nós, elas acabam por se tornar muralhas que nos encarceram em uma círculo diminuto que, vorazmente, absorve e mutila tudo o que se apresenta a nossa preguiçosa e apressada incapacidade cognitiva.

 

De mais a mais, quando passamos a não mais compreender que o entendimento é fruto de um esforço abnegado de nossa parte, torna-se inevitável que passemos a crer que o compartilhamento de cacoetes ideológicos, jargões políticos e frases de efeito retórico, disseminadas de forma viral, seriam [supostamente] a expressão cristalina da realidade, já que tal atitude não exige dedicação nenhuma de nossa parte e, tendo em vista, que muitos fazem o mesmo, acabamos por ter a sensação de que estamos certos só porque muitos estão realizando o mesmo desatino.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

 

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