Pular para o conteúdo principal

POVO MARCADO, POVO FELIZ

Nos anos 90 do século passado, estreou um programa televisivo chamado “Você Decide”, onde em cada episódio era apresentada uma historieta e o público era convidado a escolher entre dois desfechos possíveis. Boleiras de telespectadores votavam através do número telefônico que era fornecido pelo programa. Era um grande sucesso de audiência e um grande experimento de psicologia coletiva. Podemos dizer que as "tretas" que, hoje, são orquestradas nas redes sociais não são muito distintas das votações que eram realizadas nos anos 90 no referido programa. Em ambos os cenários, os indivíduos tinham e têm a sensação de que sua opinião supostamente teria alguma relevância frente aos acontecimentos. Sem dúvida alguma, o efeito manada é uma força significativa, o que, por seu turno, não significa que essa força seja o produto de uma ação autoconsciente. Todas as vezes que nos entregamos aos deleites midiáticos, que nos são regalados pelas telinhas e pelas telonas, em regra, estamos tão somente nos entregando a uma forma de entretenimento, que chamamos pela alcunha de “informar-se”. Ora, informar-se não é uma brincadeira para preencher as horas ociosas. É uma atividade que exige de nossa parte a realização de um esforço para podermos integrar em nosso horizonte de compreensão algo que até então não era contemplado por nós, porque somente compreendemos algo com relativa profundidade quando calçamos nossos juízos e conclusões em elementos que lhes deem fundamento. E, diga-se de passagem, este tal de fundamento não se forma na base de cliques, likes e compartilhamentos. De mais a mais, é importante lembrar que uma das pedras angulares da inteligência é a capacidade de resistência à dispersão. Se não somos capazes de nos centrar em algo, é sinal de que nossa inteligência anda claudicante. Neste sentido, algo me diz que todos nós, cada um em seu quadrado, já percebeu um certo declínio em nosso poder de concentração e, bem provavelmente, já devemos ter notado que já fomos feitos de bobo pelo midiático efeito manada em algum momento. Por isso, podemos nos perguntar junto ao silêncio da nossa consciência: que fazer? Mudar de atitude, ou deixar a falta de atitude nos manipular? Bem, independente da resposta que venhamos a dar a essa questão, neste caso, realmente, no final não tem lesco-lesco: é você mesmo quem decide.

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela 





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MEIO FORA DE PRUMO

Quando olhamos para o cenário educacional atual, muitos procuram falar da melhora sensível da sua qualidade devido ao aumento no número de instituições de ensino que se fazem presentes. E, de fato, hoje temos mais escolas. Diante disso, lembramos o ressabiado filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que em seu livro “A arte de escrever” nos chama a atenção para o fato de que o número elevado de escolas não é garantia da melhora da educação ofertada às tenras gerações. Às vezes, é um indicador do contrário. Aliás, basta que matutemos um pouco para verificarmos que simplesmente empilhar alunos em salas não garante uma boa formação, da mesma forma que, como nos lembra a professora Inger Enkvist, obrigá-los a frequentar o espaço escolar sem exigir o esforço indispensável para que eles gradativamente amadureçam com a aquisição de responsabilidades — que é o elemento que caracteriza o ato de aprender — é um equívoco sem par que, em breve, apresentará suas desastrosas consequências. Na real, o ba...

NO PARAÍSO OCULTO DAS LETRAS APAGADAS

Paul Johnson, no livro “Inimigos da Sociedade”, afirmava que uma das grandes delícias da vida é poder compartilhar suas ideias e opiniões. Bem, estou a léguas de distância do gabarito do referido historiador, mas posso dizer que, de fato, ele tem toda razão. É muito bom partilhar o pouco que sabemos com pessoas que, muitas vezes, nos são desconhecidas, pessoas que, por sua vez, pouco ou nada sabem a nosso respeito. E essa imensidão de desconhecimento que existe entre autores e leitores deve ser preenchida para que aquilo que está sendo compartilhado possa ser acolhido. Vazio esse que só pode ser preenchido por meio de um sincero e abnegado desejo de conhecer e compreender o que está sendo partilhado e de saber quem seria o autor desse gesto. Para realizarmos essa empreitada, não tem "lesco-lesco": será exigida de nós uma boa dose de paciência, dedicação, desprendimento e amor pela verdade. Bem, é aí que a porca torce o rabo, porque no mundo contemporâneo somos condicionados...

PARA CALÇAR AS VELHAS SANDÁLIAS

Tem gente que fica ansiosa para saber quais serão os ganhadores do Oscar, outros acompanham apaixonadamente os campeonatos futebolísticos; enfim, todos nós, cada um no seu quadrado existencial, queremos saber quem são os melhores entre os melhores em alguma atividade humana que toca o nosso coração. Eu, com minhas idiossincrasias, gosto de, todo ano, saber quem é o vencedor do Nobel de literatura. Não fico, de jeito-maneira, acompanhando as discussões e especulações sobre os nomes que poderão vir a ser laureados, nada disso. Gosto apenas de saber quem recebeu os louros. A razão para isso é muito simples: para mim, ficar sabendo quem é laureado por tão distinto prêmio é um tremendo exercício de humildade porque, na grande maioria das vezes, eu nunca, nunquinha, havia ouvido falar do abençoado, tamanha é minha ignorância. Aliás, se deitarmos nossas vistas na lista dos escritores que foram brindados com esse reconhecimento, veremos que a grande maioria nos são ilustres desconhecidos e ...