Pular para o conteúdo principal

O ULTRAJE DA RETINA

Certa feita, Roland Barthes havia dito que, no século XXI, os analfabetos não seriam apenas aqueles que não sabem ler, nem escrever, mas todo aquele que não sabe ler, escrever e interpretar imagens. Não apenas porque vivemos num mundo onde os canais de televisão, e as mídias digitais, estão praticamente presentes em todos os cantos e recantos da nossa vida (e, sem o menor recato, procuram emoldurar a nossa percepção dos acontecimentos), mas também, porque toda informação comunicada é formatada a partir de uma trama de intenções.

 

Intenções essas que, muitas vezes, desconhecemos; outras tantas, ignoramos e, em alguns casos, comungamos. Nos dois primeiros, cedo ou tarde, podemos corrigir nosso entendimento, quando procuramos nos nutrir com outras informações que podem ser contrapostas às primeiras, fazendo saltar, diante dos nossos olhos, as suas contradições.

 

Agora, quanto ao terceiro, esse é um trem pra lá de danado, porque, quando comungamos de algo, consciente ou não dos pressupostos do emissor, sempre acabamos ficando com um ponto cego em nosso horizonte de percepção.

 

Um bom exemplo disso foi a inauguração do novo mandato presidencial de Donald Trump, onde Elon Musk discursou e, ao final, visivelmente emocionado, pôs a mão direita no peito e moveu-a com força na direção do público como se estivesse jogando algo e, comovido, disse: “Meu coração está com vocês. É graças a vocês que o futuro da civilização está assegurado.”

 

Mas como a grande mídia noticiou isto nestas terras onde gorjeia a andorinha e o sabiá? Que ele havia feito uma saudação nazista. 


É, quem só lê manchete acaba ficando sem informação.

 

Aliás, esse é um caso clássico daquilo que Leo Strauss chamou de “Reductio ad Hitlerum”, uma falácia que, em resumidas contas, procura estabelecer uma relação, qualquer relação, entre uma pessoa com a figura de Hitler e sua gangue, para desqualifica-lo, rotulando-o de forma infame como nazista.

 

Na dúvida, veja o vídeo e tire a conclusão que julgar mais apropriada sobre Elon Musk, mas não se fie naquilo que a grande mídia diz; não confiemos apenas naquilo que é apresentado por uma manchete sensacionalista, não permitamos que nosso entendimento seja tangido maliciosamente por pessoas, partidos e entidades que procedem dessa forma ultrajante, insultando a nossa inteligência e vilipendiando o bom senso.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A GRANDE LIÇÃO ENSINADA PELOS PEQUENINOS

Gosto de me reclinar no sofá, ficar olhando para o nada e nada fazer, nada pensar. Quando faço isso, ouço o som de passos miúdos vindo em minha direção e, do nada, eis que um serzinho atira-se sobre mim, cheira-me obsessivamente, reclina-se no meu colo e acomoda o seu queixo sobre o braço da poltrona. Esse era o Aang. Não o avatar, o último dominador do ar, do desenho animado. Era apenas o nosso cão. Quando fomos pegá-lo, ainda filhotinho, havia uma ninhada. Minha filha ficou encantada. Queria todos, mas, por certo e por óbvio, não tinha como. Aí, um deles, todo branquinho, com algumas manchas marrons, veio na sua direção. Ela estava sentada sobre os seus calcanhares; ele se aproximou e pôs-se a lamber a sua mão. Seus olhos cintilavam. “É esse! É esse! Ele me escolheu!” E sentenciou: “Você vai se chamar Aang”. E assim foi. As travessuras e estripulias que esse doguinho aprontava desde que chegou não estão no gibi. Se fosse contá-las, uma por uma, essa crônica não terminaria tão cedo. E...

AS MÁSCARAS DOS VELHOS CARNAVAIS

O escritor argentino Ernesto Sábato, em seu livro “Heterodoxia”, dizia que falar mal da filosofia é, inevitavelmente, também fazer filosofia. Mas má filosofia. Também podemos afirmar que ficar tecendo mil e um elogios à filosofia, e à vida intelectual, não é, nem de longe, uma atitude digna de um postulante a filósofo.   Esses dois personagens, de certa forma, são figuras típicas do nosso tempo, onde todos nós vivemos atolados até os gorgomilos com informações de toda ordem e dos mais variados níveis de credibilidade e valia.   O primeiro, de um modo geral, se ufana de ser uma pessoa prática, formatada pela rotina, devidamente esquadrinhada pelas expectativas que são apresentadas pela sociedade e estimuladas pela grande mídia e pelos círculos de escarnecedores digitais.   O segundo, por sua vez, é muitíssimo semelhante ao primeiro, porém, não quer, de jeito-maneira, se sentir semelhante a ele. Nada disso. O abençoado quer parecer melhor, sem o sê-lo; quer porque quer exal...