Pular para o conteúdo principal

PLANOS FURADOS PARA OS DESERTOS DA LUA

Todas as cidades brasileiras, cada uma com sua especificidade, têm inúmeras histórias pitorescas para contar quando o assunto são eleições municipais. Algumas, inclusive, acabam entrando para o “folclore” local, outras tantas, para os anais da história.

 

Historietas à parte, podemos dizer que um elemento que frequentemente é apresentado aos cidadãos, como ares de comédia bufa, são os tais “planos de governo”. Sim senhor! Eles mesmos. Planos que, de quatro em quatro anos, são deixados na porta da casa dos eleitores, ou jogados na rua mesmo, para que as pessoas tenham a oportunidade ímpar de conhecer as pretensões cívicas dos postulantes ao cargo de Prefeito.

 

Em termos gráficos, o material até que é bem vistoso, independente de quem seja o abençoado do candidato, pouco importando qual seja a municipalidade.

 

De um modo geral, os tais “planos” têm a forma de uma revista, impressa em papel de boa qualidade, com muitas cores, inúmeras fotos e tudo aquilo que, se o cabra for eleito (ou reeleito), será “realizado” nos anos vindouros.

 

O problema – e, nesse caso, há uma penca deles – é que muitíssimos candidatos, de norte a sul do Brasil, não sabem a diferença abissal que há entre uma carta de intenções e um plano de ação e, por não saber, ou por ignorar essas diferenças, muitos acabam terminando apresentando somente um punhado de promessas vagas como se isso fosse um “plano de metas” exequível em um quadriênio.

 

Com toda certeza, o amigo leitor já deve ter se defrontado com alguns trambolhos com essa feição que, de fato, são lidos pelas pessoas e, por conta da forma desleixada que as “propostas” são apresentadas, estas acabam tornando-se motivo de piada nas rodas de conversa e nos grupos do whatsapp. E se esses trens fuçados não são motivo de chacota, temos algo de errado aí e, como dizem os jovens: algo errado, certo não está.

 

Ora, um plano de governo, como toda e qualquer proposta de ação, necessariamente tem que conter alguns quesitos básicos para ser, realmente, levado a sério. Elementos esses que, diga-se de passagem, são “o básico do básico do básico” para a realização de qualquer coisa.

 

O primeiro, como todo mundo sabe, é esse: aquilo que está sendo proposto se coaduna com o orçamento do município? A arrecadação realmente é suficiente para realizar todas as proezas que são apresentadas com aquela boniteza no “plano de governo”? Se sim, como será a distribuição desse orçamento para cada uma das atividades que estão sendo propostas? Ora, se não há essa clara discriminação orçamentária, isso não é um plano, nem aqui nem na casa do chapéu. É apenas mais uma conversa mole para o eleitor rir, na melhor das hipóteses.

 

O segundo ponto que deve se fazer presente em um plano de ação é esse: como essas atividades serão realizadas? Esse negócio de dizer que se irá pintar e bordar um futuro melhor sem dizer claramente como isso será feito, francamente, não parece ser um plano não, mas sim, apenas e tão somente mais uma opereta de malandro, tocada no coreto da pracinha de Sucupira, de Odorico Paraguaçu. Só isso e olhe lá.

 

Terceiro ponto, não menos importante, é o prazo. Isso mesmo! O dito-cujo do prazo. Se dizemos que vamos realizar alguma coisa, e se realmente sabemos o que estamos fazendo, necessariamente somos obrigados a apresentar uma estimativa do tempo que precisamos para executar as metas propostas. Caso contrário, é apenas mais uma cilada para pegar alminhas desavisadas.

 

Por fim, não menos importante, seria o eleitor ser informado de quais seriam as pessoas que, junto com o postulante à cadeira do executivo, irão se responsabilizar pela execução do plano de governança. Quais seriam os possíveis nomes que viriam a integrar a sua equipe de gestão? Qual seria a composição do seu secretariado?

 

Diante do exposto, podemos dizer, com certa inquietude, que um punhado de promessas vagas, reunidas numa revistinha toda pomposa, colorida e bem impressa, como se fosse um “plano de governo”, acaba, sem querer querendo, falando muito mais do que seus autores gostariam que fosse dito.

 

Em alguns casos, fica claro a grande falta de respeito pela inteligência do cidadão e, noutros, fica evidente a presença de interesses nem um pouco republicanos em relação à coisa pública. Nalguns casos, as duas, juntas e misturadas.

 

Enfim, como nos ensina o escritor Humberto de Campos, nesse momento, em que somos convidados a sufragar nossa opinião a respeito dos rumos que o município, onde residimos, deve tomar nos próximos quatro anos, é de fundamental importância que procuremos ser senhores de nossa vontade e escravos da nossa consciência.

 

Imagino que cada um de nós sabe o que é melhor para as futuras gerações e, se não o sabemos, com o perdão da palavra, está mais do que na hora de “garrarmos” vergonha nas ventas e passarmos a refletir sobre isso com a devida seriedade e com a indispensável serenidade, mesmo que as opções que temos estejam muito abaixo das nossas expectativas [depre]cívicas.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MEIO FORA DE PRUMO

Quando olhamos para o cenário educacional atual, muitos procuram falar da melhora sensível da sua qualidade devido ao aumento no número de instituições de ensino que se fazem presentes. E, de fato, hoje temos mais escolas. Diante disso, lembramos o ressabiado filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que em seu livro “A arte de escrever” nos chama a atenção para o fato de que o número elevado de escolas não é garantia da melhora da educação ofertada às tenras gerações. Às vezes, é um indicador do contrário. Aliás, basta que matutemos um pouco para verificarmos que simplesmente empilhar alunos em salas não garante uma boa formação, da mesma forma que, como nos lembra a professora Inger Enkvist, obrigá-los a frequentar o espaço escolar sem exigir o esforço indispensável para que eles gradativamente amadureçam com a aquisição de responsabilidades — que é o elemento que caracteriza o ato de aprender — é um equívoco sem par que, em breve, apresentará suas desastrosas consequências. Na real, o ba...

NO PARAÍSO OCULTO DAS LETRAS APAGADAS

Paul Johnson, no livro “Inimigos da Sociedade”, afirmava que uma das grandes delícias da vida é poder compartilhar suas ideias e opiniões. Bem, estou a léguas de distância do gabarito do referido historiador, mas posso dizer que, de fato, ele tem toda razão. É muito bom partilhar o pouco que sabemos com pessoas que, muitas vezes, nos são desconhecidas, pessoas que, por sua vez, pouco ou nada sabem a nosso respeito. E essa imensidão de desconhecimento que existe entre autores e leitores deve ser preenchida para que aquilo que está sendo compartilhado possa ser acolhido. Vazio esse que só pode ser preenchido por meio de um sincero e abnegado desejo de conhecer e compreender o que está sendo partilhado e de saber quem seria o autor desse gesto. Para realizarmos essa empreitada, não tem "lesco-lesco": será exigida de nós uma boa dose de paciência, dedicação, desprendimento e amor pela verdade. Bem, é aí que a porca torce o rabo, porque no mundo contemporâneo somos condicionados...

PARA CALÇAR AS VELHAS SANDÁLIAS

Tem gente que fica ansiosa para saber quais serão os ganhadores do Oscar, outros acompanham apaixonadamente os campeonatos futebolísticos; enfim, todos nós, cada um no seu quadrado existencial, queremos saber quem são os melhores entre os melhores em alguma atividade humana que toca o nosso coração. Eu, com minhas idiossincrasias, gosto de, todo ano, saber quem é o vencedor do Nobel de literatura. Não fico, de jeito-maneira, acompanhando as discussões e especulações sobre os nomes que poderão vir a ser laureados, nada disso. Gosto apenas de saber quem recebeu os louros. A razão para isso é muito simples: para mim, ficar sabendo quem é laureado por tão distinto prêmio é um tremendo exercício de humildade porque, na grande maioria das vezes, eu nunca, nunquinha, havia ouvido falar do abençoado, tamanha é minha ignorância. Aliás, se deitarmos nossas vistas na lista dos escritores que foram brindados com esse reconhecimento, veremos que a grande maioria nos são ilustres desconhecidos e ...