Pular para o conteúdo principal

AO LÍDER, COM CARINHO

William Shakespeare, em sua peça “A Tempestade”, nos ensina que qualquer um é capaz de navegar na calmaria com uma boa embarcação porque, com bom tempo, a nau flui tranquilamente sobre as águas do mar da vida. Agora, os bons timoneiros realmente são testados e reconhecidos quando estão comandando uma caravela caindo aos pedaços em meio a uma tormenta que aparenta não ter fim. Aí, meu amigo, o babado é quente e, por certo e por óbvio, não é pra qualquer um.

 

Liderar não é, nunca foi e, como já dá pra imaginar, jamais será uma tarefa fácil; e quem diz o contrário, ou não sabe o que diz, ou simplesmente é mal-intencionado. Ou as duas coisas, juntas e misturadas, tendo em vista que a ignorância, sempre foi e sempre será, uma parceira inseparável da malícia.

 

Estar à frente de uma instituição de ensino nestes tempos turbulentos, junto ao chão cru de um colégio, literalmente é como estar em um encouraçado que se encontra em situação suplicante. Todos sabemos disso, apesar dos burocratas das instâncias superiores fazerem ouvidos moucos e virarem os seus olhinhos para o lado, para não ver o óbvio ululante.

 

Por essa razão, e por inúmeras outras, o embaixador J. O. de Meira Penna a muito havia dito que, todo aquele que se dedica a educação, acaba, sem se dar conta, sendo similar aos padres jesuítas, que iam pregar a Boa Nova, anunciar o mundo novo para as nações e povos distantes, correndo o risco de serem devorados por eles. Povos esses que, de antemão, não estavam muito interessados no que eles tinham a lhes dizer.

 

De certa forma é isso: prega-se para antropófagos que, na atualidade, graças a Deus, não devoram as nossas carnes, mas, sem dúvida alguma, consomem vorazmente nossas energias até o tutano, deixando-nos, ao final do dia, daquele jeito: só a capa da gaita.

 

Assim é o dia a dia de quem está à frente da educação, do processo de ensinação.

 

Pois é. Essa é uma lide solitária. Mesmo que estejamos rodeados de gente, liderar, muitas e muitas vezes exige isso de quem está chamando para si a responsabilidade pela condução dos caminhos que serão seguidos por muitos e, por isso, como havíamos dito, liderar é osso.

 

E sendo osso, é mais do que natural que, vez por outra, o fardo da liderança acabe pensado sobre os ombros, ao ponto de levar o capitão da nau a jogar-se junto ao chão do convés, de uma forma tal que não mais queira levantar-se, desejando mesmo atirar-se, de peito aberto nas águas, deixando para trás todo esse fardo porque, como já havíamos dito, o riscado é pesado.

 

Por isso, feliz o líder que não está só. Feliz o líder que pode contar com o ombro amigo dos seus. Abençoado seja o líder que pode ter uma conversa aberta e sincera com aqueles que estão sob seu comando. Feliz é o líder que tem amigos que estão junto, ao seu lado, para enfrentar todas as barafundas que vierem, porque estes conquistaram não um time, nem uma equipe, muito menos um punhado de protagonistas, mas sim, bons companheiros de jornada, amigos no sentido pleno da palavra.

 

Você, professora Vânia, com seu trabalho, com seu coleguismo, comprometimento e, acima de tudo, com sua pessoa, conquistou a amizade de muitos e isso, para ser franco, é algo que não há indicador, nem meta, muito menos BI (Business Intelligence) que seja capaz de mensurar.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PARA QUE A REPÚBLICA NÃO DESMORONE

Hannah Arendt nos ensina que a educação é o alicerce de uma república. É através de uma formação sólida que se edificam as bases sobre as quais os cidadãos poderão construir as suas vidas e desenvolver de forma plena a sua participação na sociedade. Por essa razão, não se deve brincar com a educação, nem agir de forma leviana em relação a ela, porque é através dela, da forma como ela é constituída, que se desenha o futuro e se edifica a personalidade dos indivíduos. Sobre esse ponto, José Ortega y Gasset nos chama a atenção para um fato que, muitas e muitas vezes é esquecido por nós: se almejamos saber como será a sociedade em que vivemos daqui a uns trinta anos, basta que voltemos os nossos olhos para aquilo que é vivenciado hoje nas salas de aula. Não tem erro, nem "lero-lero"; ali encontra-se o germe do futuro que nos aguarda. E tendo essa preocupação em mente, preocupação essa que há muito fora manifestada pelos dois filósofos acima citados, é que a professora Inger Enkvi...

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #026

Tal como a um falsário que cunha moedas falsas, os indivíduos com a alma embebida no cientificismo não se cansam de nos propor uma falsa imagem do ser. # Nascemos no tempo, mas não encontramos a nossa medida e razão de ser no tempo. # A cultura é o espelho amplificador da nossa vida espiritual. # Amizade é destino. Amigo não se escolhe, encontra-se. # Um escritor é o professor do seu povo, como nos ensina Soljenítsin e, por isso, um grande escritor é, por assim dizer, um segundo governo. Eis aí a razão por que nenhum governo, em parte alguma, ama os grandes escritores, só os menorzinhos. # Todo ser humano, em alguma medida, é feito de um sutil contraste de luz e sombra. # Quem tem amor no coração sempre tem algo para oferecer. Quem tem tudo, menos amor no coração, sempre sente falta de algo, de muita coisa; só não sabe dizer do quê. * Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “REFAZENDO AS ASAS DE ÍCARO”, entre outros livros. http...

COM QUANTAS VIRTUDES SE FAZ UM HERÓI?

Todo herói, por sua própria natureza, é uma figura controversa, e o é por inúmeras razões. De todas as razões, há duas que, no meu entender, seriam intrínsecas à condição de personagem notável. A primeira refere-se à própria condição humana. Todos nós, sem exceção, somos contraditórios, motivados muitas e muitas vezes por desejos conflitantes, impulsos desordenados, paixões avassaladoras, e por aí seguimos em nosso passo demasiadamente humano. E os heróis, humanos que são, nesse quesito não diferem de nós. O que os distingue de nós é a forma como eles lidam com os seus conflitos internos e com sua natureza desordenada. A segunda seria o fato de que a forma como um personagem elevado à condição de herói é apresentado à sociedade. Dito de outra forma, de um modo geral, todos os heróis acabam refletindo os valores e ideias do tempo presente, daqueles que o reverenciam, não necessariamente as ideias e valores que eram, de fato, defendidos por ele quando estava realizando a sua jornada po...