Pular para o conteúdo principal

SENSEI RONERSON – EM MEMÓRIA

As lições ensinadas pelas artes marciais vão muito além do tatame. Todos aqueles que dedicam a vida ao seu cultivo sabem muito bem disso.

 

A vida, literalmente, transfigura-se. Somos plasmados pela arte do combate que, de modo sutil, nos ensina a lutar a boa luta contra nossas fraquezas e limitações, todo o santo dia, na arena do nosso coração.

 

Aliás, como nos ensina o sensei Jigoro Kano, a simplicidade é a chave de toda arte; é a chave da vida.

 

Sensei Ronerson, que tivemos a felicidade de conhecer, é um exemplo de uma vida, que foi vivida, no calor dos tatames e no riscado estreito do judô, do “caminho suave” e, por isso, enriquecida pela simplicidade que emanava em seu jeito de ser; que era irradiada através do seu modo de ensinar, que tanto inspirava os seus alunos e amigos.

 

Como nos ensina Miyamoto Musashi, os homens devem moldar o seu caminho, e o senhor, sensei, moldou o seu com maestria.

 

Muitas são as lembranças que ficam, muitas delas na forma de lições que foram ministradas por ele; não por meio de palavras, mas sim, através da maneira autêntica que ele tratava todas as pessoas e, essas lições silentes, como todos nós sabemos, valem mais, muito mais, do mil e uma palavras.

 

Uma dessas lembranças, que ficará para sempre em minha memória, é a imagem dele, numa quermesse organizada pela prefeitura, com vários estandes. Um deles era da equipe do Judô e, nele, víamos a imagem do sensei, debilitado fisicamente pelo tratamento que estava enfrentando. Mesmo assim, lá estava ele, se fazendo presente, altivo, motivando os seus alunos, animando-os, contagiando-os com sua energia vital. Ensinando a todos nós que o caminho das artes marciais deve ser trilhado em todos os caminhos da vida, em cada um deles.

 

Aliás, conforme as palavras de Jigoro Kano, somente é capaz de se aproximar da perfeição quem ousa procurá-la com constância, sabedoria e, sobretudo, com humildade.

 

Pois é. Mais uma vez, o sensei ensinava a todos essa lição que, há muito tempo, fora ministrada pelo fundador do Judô. Ensinava-nos não repetindo as suas palavras do mestre, mas sim, vivendo-as com intensidade, testemunhando-as vividamente.

 

E o sensei, além de grande mestre e campeão, também dedicou-se com afinco à seara da saúde. Como fisioterapeuta, não foram poucas as pessoas que tiveram suas vidas transformadas pela sua dedicação, presteza e comprometimento.

 

Como se diz em nossa terra, não tinha tempo feio com ele. Se estivesse ao alcance de suas mãos, ele ajudava quem dele precisasse; e se não estivesse ao seu alcance, ele dava um jeito e ajudava mesmo assim.

 

Esse era o Ronerson, o sensei que ensinou inúmeras crianças, jovens e adultos a amarem o Judô e, à luz dos ensinamentos dessa louvável arte, ensinou a todos a viverem suas vidas de uma forma mais aquilatada.

 

Ou, nas palavras de Hironori Otsuka, a questão fundamental da nossa vida é procurarmos nos elevar acima dos obstáculos, com determinação e honra, sempre.

 

Hoje, ele não está mais entre nós. O Mestre dos mestres o chamou para o Dojo celestial, junto dos mestres de todos os tempos para, nos Céus, continuar louvando o Altíssimo com a nobre prática da arte do caminho suave. Caminho esse que começa nesta vida, para realizar-se plenamente na eternidade, que está muito além do pó e das sombras deste mundo.

 

Enfim, descanse em paz Sensei Ronerson. O senhor, meu bom amigo, lutou o bom combate, todos os dias, até o fim, ensinando-nos a fazer o mesmo no riscado dos tatames e nos caminhos da vida.

 

Sensei ni rei. Oss.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A Bacia de Pilatos”, entre outros ebooks.

https://lnk.bio/zanela



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUITO ALÉM DA CRETINICE DIGITAL

Desconfio sempre de pessoas muito entusiasmadas, da mesma forma que não levo a sério os alarmistas, que fazem uma canja rançosa com qualquer pé de galinha.   Bem, esse não é o caso de Michel Desmurget, doutor em neurociência e autor do livro “A fábrica de cretinos digitais”. Aliás, um baita livro.   No meu entender, essa deveria ser uma leitura obrigatória para pais, professores e, principalmente, para os burocratas e políticos que não se cansam de inventar traquitanas que, hipoteticamente, melhorariam a qualidade da educação.   Não duvido que políticos e burocratas, que se empolgam com toda ordem modismos, estejam cheios de boníssimas intenções, não mesmo. O problema, como todos nós sabemos, é que o inferno está cheio delas.   Enfim, em resumidas contas, a obra de Desmurget nos apresenta estudos, dados, fatos e evidências que demonstram o quão lesivo é para a formação das nossas crianças a exposição precoce e desmedida às telas, da mesma forma que desmitifica inúmer...

UMA ARMADILHA OCULTA EM NOSSO CORAÇÃO

Somos movidos pelo desejo, não temos para onde correr. E esse é um problema que todos nós temos que enfrentar, no íntimo do nosso coração, com as parcas forças do nosso ser.   Diante desse entrevero, Siddhartha Gautama diria que bastaria abdicarmos deles para os problemas se escafederem. Nas suas palavras, desejos seriam como pedras: quanto mais desejamos, mais pesada torna-se a vida.   E ele, em grande medida, está coberto de razão. O ponto é que essa não é uma tarefa tão simples assim. Na verdade, é uma tarefa hercúlea porque, o desejo, não é um mero adereço que usamos e descartamos quando nos dá na ventana. Nada disso.   Ele ocupa um lugar central em nossa vida e, por isso, todos nós temos em nosso âmago um vazio que apenas o absoluto pode preencher. Vazio esse que nos torna um ser sedento por ser. O problema é que não sabemos como fazer isso, nem por onde começar.   Segundo René Girard, o desejo não se manifesta em nós de maneira direta, mas sim, de forma triangu...

NADICA DE NADA

Quanto mais um sujeito fala em liberdade, quanto mais ele acredita ser plenamente livre, “livre da Silva”, mais susceptível ele está a toda ordem de doutrinações e, consequentemente, mais facilmente ele poderá ser subjugado, escravizado, seja por senhores sombrios, seja pelos seus abjetos caprichos.   #   Se tem um negócio que realmente aporrinha é essa conversa toda sobre o poder libertador da cultura. À esquerda vemos a galera falando de cultura como se fosse uma trincheira de luta contra a opressão; à direita tem toda aquela conversa azeda sobre o resgate da alta cultura para salvar a civilização Ocidental. Enfim, apenas pessoas tremendamente incultas tratam a cultura como se fosse uma religião.   #   O igualitarismo é, em sua essência, um veneno terrível, porque quando passamos a tratar a igualdade como critério moral supremo, sem nos darmos conta, acabamos por minar as bases da nossa capacidade de discernir. E isso é uma terrível ameaça, um grande perigo.  ...