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A VELHA IGREJINHA E A NOVA MATRIZ

Ao som da guitarra de Paco de Lucia escrevo essas linhas - dentro de minhas limitações, que não são poucas - para compartilhar algumas reflexões a partir da demolição do pavilhão da nossa paróquia (que em breve, também, contará com a demolição da Igreja), para que possa ser construída uma nova Matriz. Demolição essa que, no caso do pavilhão, já ocorreu.

 

Dito isso, sigamos com as reflexões que, espero eu, sejam de alguma valia.

 

Ponto um. Afirma-se que a Nova Matriz deve estar voltada para a cidade, para o povo, e não para o mato, como a atual Igrejinha está. Bem, nessa consideração há um equívoco. Primeiramente, o edifício de uma Igreja não deve, necessariamente, estar voltada para a cidade, ou para o povo, mas sim, para Deus, ou seja, para o céu. Por isso, tradicionalmente, as igrejas, catedrais, basílicas e capelas, primavam pela verticalidade (voltavam-se para o alto, convidando os fiéis a dirigirem os seus olhos e suas preces para o céu). Esse ponto, como pode-se notar, é de uma grande profundidade simbólica, um elemento distintivo e singular da arquitetura sacra.

 

Segundo, a atual Igreja Matriz, da nossa humilde comunidade, não está voltada para o mato, como muitos insistem em afirmar, mas sim, voltada para a direção do sol nascente, como tradicionalmente, desde priscas eras, foram construídas incontáveis Igrejas. Para o sol nascente porque, Nosso Senhor Jesus Cristo, é a luz que vem nos visitar neste vale de lágrimas, para nos libertar.

 

Terceiro ponto. Considero relevante ser lembrado que a atual Igreja Matriz tem o singelo formado de uma cruz, como as igrejas tradicionalmente sempre tiveram. A nova, pela maquete apresentada, será mais uma edificação com quatro paredes. Um barracão construído onde antes havia outro barracão (e uma Igreja). Detalhe: ignorar esse fato é algo, no mínimo, estranho, para não dizer outra coisa. Aliás, algo muito recorrente na arquitetura de incontáveis Igrejas contemporâneas.

 

Quarto. A atual Igreja matriz, com toda sua simplicidade, conta com muitos detalhes significativos. Por exemplo: ela tem ao pé do altar alguns azulejos muito simples, ornados com flores, formando um pequeno retângulo que, provavelmente, foram ali colocados de forma espontânea pelos humildes construtores que nela trabalharam. Bem, tradicionalmente, ao pé do altar, eram colocadas representações de uma “rosa alquímica”, que simboliza a transubstanciação da matéria vulgar em algo nobre e, tal símbolo, era colocado ao pé das elevações que levam ao altar, porque seria justamente nesse local que o fiel receberia o Santíssimo Sacramento que promoveria a transubstanciação da sua alma.

 

Um pequeno detalhe, um singelo símbolo, que é ignorado pelos arquitetos modernosos, mas que não havia sido desdenhado pelos humildes que, espontaneamente, colocaram o símbolo no seu devido lugar.

 

O quinto elemento, que me encanta na velha Igrejinha de nossa comunidade, é o fato da mesma ter duas torres incompletas (e a sua incompletude é muito significativa).

 

As duas torres, nas Igrejas medievais, representavam o clero e os nobres (no caso, a classe política), que deveriam defender o Corpo Místico de Cristo, a Igreja. Com a renascença as Igrejas passaram a ter apenas uma única torre, tendo em vista que os nobres abandonaram a sua missão e, ao chegarmos no século XX e XXI, as Igrejas que foram edificadas, de um modo geral, deixaram de ter torres e, simbolicamente, isso reflete uma sutil transformação que ocorreu na mentalidade do homem moderno.

 

Pois é. A razão disso é tão triste quanto óbvia e, a incompletude das torres da atual Igrejinha da nossa comunidade, e a ausência de torres na nova, apontam para essa realidade que, infelizmente, impera no mundo atual.

 

Quando voltamos os nossos olhos para as inúmeras Igrejas que são edificadas no Brasil e pelo mundo afora, estas, na sua vã tentativa de assemelhar-se aos ditames da arquitetura moderna, acabam sendo concebidas na forma de grandes monumentos de mau gosto. Não apenas isso. Estas acabam sendo símbolos cabais do nosso desconhecimento do imensurável patrimônio que nos foi legado pelos séculos que nos antecederam. Um símbolo da profunda crise moral e espiritual de nossa época.

 

Sexto ponto. A Igreja, antes de ser um edifício, é uma comunidade viva, que é formada por fiéis militantes (os vivos), pelas santas almas do purgatório e, naturalmente, pelas pias almas que estão no Céu, junto com as hierarquias celestes. Ou seja: se esta não está no centro, a edificação, que recebe o nome de Igreja, pouco significa.

 

Por fim, por conta de toda uma treta que se orquestrou no âmago da nossa comunidade, permitam-me, para finalizar, lembrar uma historieta que, penso eu, é tão relevante quanto consoladora.

 

Diz-nos a história que, durante as invasões napoleónicas, os exércitos franceses invadiram um país atrás do outro por toda a Europa.

 

Uma vez que a Igreja Católica era vista como uma ameaça ao seu poderio, Napoleão disse ao Cardeal, que era secretário de Estado do Papa Pio VII, a seguinte provocação: “Vou destruir a Igreja”. O Cardeal respondeu: “Não vai conseguir”. Mas o Imperador insistiu: “Vou sim destruir a Igreja Católica Apostólica Romana”. E o Cardeal, pacientemente, explicou ao imperador francês: “Não é possível porque nem nós conseguimos fazê-lo. Se milhares de pecadores não a conseguiram destruí-la desde de dentro, como é que você irá destruí-la de fora?” E, então, Napoleão se calou e desistiu de seu intento.

 

Enfim e por fim, por mais que nos esforcemos, não conseguiremos destruir a obra que foi edificada, por Nosso Senhor, sobre rocha. Podemos esmigalhar e destruir muita coisa, inclusive a nós mesmos, mas não a Igreja, pois, como todos nós sabemos, (Matheus XVI, 18) as portas do inferno jamais prevalecerão.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

 

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