Pular para o conteúdo principal

UM LIVRO, UM ESCRITOR E UMA AUSÊNCIA

Thomas Jefferson certa feita havia dito: não posso viver sem livros. Bem, posso dizer que assino junto com ele a respeito desse quesito.

 

De todas as alegrias que um bom livro nos oferece - que, aliás, são muitas - uma delas, com toda certeza, é podermos tomar conhecimento da existência de um autor que, até então, não conhecíamos e que, por meio de uma citação, ou de uma menção presente em uma obra, este entra no radar do nosso olhar que, é claro, está a mil léguas de distância de ser um olhar de calibre 43.

 

Tendo isso em vista, faz algum tempo que conhecia, de ouvir falar, a escritora e poetisa Martha Medeiros, mas nunca me interessei em lê-la até que, certa feita, numa de minhas peregrinações a um sebo, encontrei um livro de sua lavra, publicado em 2010 e que reunia crônicas do final dos anos 90 e, uma e outra, do comecinho do terceiro milênio.

 

Então, pensei: por que não? Comprei-o, coloquei-me a ler e, confesso: gostei do que encontrei nas suas páginas.

 

Lá pelas tantas da minha leitura, deparei-me com uma crônica onde ela mencionava um cronista que, até então, nunca tinha tido notícia, um tal de David Coimbra, que para o gosto de alguns - não do gosto dela - seria tão bom quanto Nelson Rodrigues.

 

Mais que depressa, corri para o doutor google para procurar saber quem seria esse moço, ver se encontrava algo escrito por ele, disponível nas redes para ser lido e, é claro, garimpar algum e-book que estivesse dando sopa para poder baixar e deitar minhas vistas em suas páginas digitais.

 

Digitei o nome do caboclo no buscador e, para meu espanto, ele já havia morrido, com apenas 60 anos. Faleceu em 2022 por conta de um câncer. Doença essa que ele vinha pelejando há mais ou menos 10 anos. A mesma quantia de tempo que minha querida e amada nona Yolanda lutou contra a mesmíssima doença.

 

E, sem querer querendo, encontrei um vídeo sobre sua morte. Pensei: deve ser um pequeno documentário a respeito do cabra, tendo em vista que o mesmo tinha quase trinta minutos de duração. Que nada. Era o áudio do momento em que sua morte foi comunicada na rádio Gaúcha, onde ele trabalhou. A internet não tem dó.

 

A notícia foi dada e, no mesmo instante, todos no estúdio estavam a chorar. Dava para ouvir claramente os soluços ao fundo em misto com os lamentos. Notícia dada, programação interrompida e, em seguida, um longo silêncio se fez.

 

Confesso que, ao ouvi-los, meus olhos marejaram, minha garganta apertou e meu coração se compadeceu com a dor deles.

 

Em seguida, encontrei muitas crônicas do finado escritor esparramadas pela internet. Também achei um e-book de sua autoria e estou deleitando-me com sua prosa, cáustica e bem humorada. Ah! E para ser franco, suas crônicas não tem nada que ver com Nelson Rodrigues, nada mesmo. O que não significa que sejam ruins, de jeito maneira.

 

Na verdade ele é bom, muito bom mesmo no que faz. Tão bom quanto um tal de David Coimbra.

 

Enfim, fiquei feliz pra caramba por poder começar a conhecê-lo e, ao mesmo tempo, senti-me, e sinto-me, meio que tomado por um estranho sentimento de pesar, por apenas começar a deitar minhas vistas em seus escritos depois dele ter partido.

 

Mas viver na companhia de livros é mais ou menos isso: é ter muitos amigos mortos que, sem nunca termos sido pessoalmente apresentados, nos fazem companhia, nos aconselham quando mais precisamos, discutem acaloradamente conosco sobre boleiras de assuntos sem nos bloquear na sua lista de contatos e, é claro, na companhia deles, nos divertimos com tudo aquilo que há neste mundo que é passageiro e que é, por muitos, de forma tola, tratado como se fosse imorredouro.

 

Ao final e ao cabo dessa modesta escrevinhada, posso dizer com tranquilidade que, de agora em diante, esse gaúcho – colorado que teve um intervalo de gremista - que escrevia para o jornal Zero Hora, autor de uma penca de livros, será mais um desses ilustres que far-me-á companhia em minhas horas silentes de leitura.

 

É isso. Prazer em conhecê-lo David Coimbra, mesmo que tardiamente e, em tempo, descanse em paz bicho velho. Descanse em paz.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

 

Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CAMINHANDO SEM PRESSA NA CONTRAMÃO

Recentemente tive a alegria de encontrar em um Sebo o livro “Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar”, de Marco Antonio de Carvalho. Na ocasião, não tive como comprá-lo. Já havia fechado minha compra e, em consequência, não tinha mais nenhum tostão no bolso, por isso, deixei o baita na estante, torcendo para que ninguém o comprasse.   As semanas se passaram e lá estava eu, mais uma vez, no mesmo Sebo e, graças ao bom Deus, lá estava o bicho velho, esperando o Darta para levá-lo. Na ocasião estava indo para uma consulta médica e, enquanto aguardava, iniciei minha jornada pelas páginas da referida obra.   Rubem Braga, o homem que passava despercebido no meio da multidão, percebia tudo, tudinho, que a multidão não era capaz de constatar e de compreender. Não é à toa que ele era e é o grande mestre da crônica.   Ao indicar esse caminho, não estamos, de modo algum, querendo insultar ninguém não. O fato é que toda multidão, por definição, vê apenas e tão somente o que os mil olhos da massa

BUKOWSKI DIANTE DAS AREIAS DO TEMPO

O filósofo argentino José Ingenieros, em seu livro “Las fuerzas morales”, nos lembra que cada época tem que lutar para reconquistar a história. As pessoas de todos os tempos, dentro de suas circunstâncias, devem esforçar-se nessa empreitada. O conhecimento, por sua natureza, encontra-se espalhado pela sociedade, em repouso sobre incontáveis fragmentos, como se fosse um oceano de areia diante do horizonte da existência e, cada geração, deve procurar reconstruir, com as areias do tempo, o palácio da memória, o templo da história porque, sempre, cedo ou tarde, vem a roda-viva e sopra novas circunstâncias em nossa vida mal vivida, que vão erodindo todo o trabalho que foi realizado por nós e pelas gerações que nos antecederam. A cada nova circunstância que se apresenta, é necessário que procuremos atualizar a nossa visão do passado, para que possamos melhor compreender o momento presente e, principalmente, a nós mesmos. Nesse sentido, podemos afirmar, sem medo de errar, que a história é sem

REFLEXÕES INOPORTUNAS (p. 02)

A pressa é inimiga da perfeição, todo mundo sabe disso; mas a inércia covarde, fantasiada de prudência e sofisticação, não é amiga de ninguém e isso, infelizmente, é ignorado por muita gente de alma sebosa.   #   #   #   A soberba precede a queda. E entre ela e a queda há sempre uma grande tragédia.   #   #   #   Todo parasita se considera tão necessário quanto insubstituível, especialmente os sacripantas burocráticos e perdulários.   #   #   #   Fetiche por novas tecnologias não é sinônimo de uma educação de qualidade. É apenas um vício invadindo descaradamente a praia das virtudes.   #   #   #   O maior de todos os erros, que podemos cometer por pura estupidez, é imaginar que estamos imunes a eles só porque temos um diploma na parede e algum dinheiro na conta bancária.   #   #   #   Qualquer um que diga que tudo é relativo, não deveria, por uma questão de princípio, jamais queixar-se [depre]civicamente contra a presença de nenhum político, nem reclamar das picaretagens dos incontávei