Pular para o conteúdo principal

OS GENTIS SERVOS DO PÁSSARO DE MINERVA

É realmente fascinante vermos que o número de pessoas que desejam conhecer melhor a História, essa distinta e elegante senhora, está aumentando a passos largos.

 

Cada vez mais vemos indivíduos que procuram ocupar o seu tempo livre vendo séries históricas, assistindo filmes do gênero, documentários, lendo livros e procurando artigos desta seara, ao invés de estar preenchendo o seu precioso tempo, ocioso e vadio, com entretenimentos que nada agregam de significativo.

 

Porém, há um ponto que, muitas vezes, fica mal resolvido diante dessa fome por conhecimento histórico: seria, no caso, a incompreensão, ou mesmo o desdém, frente ao “ofício do historiador”, sobre a forma como a história é escrita e, sou franco em dizer: esse é um trem tão fascinante, senão mais instigante, do que a própria história em si, sobre o que quer que seja.

 

É importante termos bem claro diante de nossas vistas que a história não brota espontaneamente do passado, não germina voluntariamente dos documentos escritos, muito menos emana dos monumentos de outras épocas.

 

A história sempre foi escrita, e sempre será escrita e reescrita, a partir do tempo presente, algumas vezes por almas tão honestas quanto curiosas, outras tantas por pessoas maliciosas.

 

Ora, lembremos que a palavra História significa “indagar” e, nesse sentido, o historiador é aquele caboclo que, a partir da época em que ele vive, procura levantar algumas questões que ele considera pertinentes, que inquietam e provocam discussões e debates e, ao procurar uma resposta para as ditas-cujas, ele mergulha de peito aberto no oceano de luzes da experiência vivida através dos tempos, para poder aplacar e dirimir as sombras das dúvidas que o estão corroendo por dentro, na aridez presente.

 

Era mais ou menos para isso que os historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch estavam chamando a atenção quanto, no começo do século XX, afirmaram que toda História deve ser uma “história problema”, que o historiador não deve, de jeito maneira, ser um reles narrador autômato, mas sim, um sujeito autônomo que levanta questões, que elabora problemas, para que possam ser devidamente investigados e respondidos pelo aprofundamento do nosso conhecimento através dos testemunhos de antanho.

 

Por essa razão que a história sempre poderá e deverá ser reescrita pelas gerações vindouras e, tal fato, não invalida de modo algum as respostas que foram encontradas pelos historiadores de épocas pretéritas. Estas sempre serão atuais e sempre terão muito, muito para nos ensinar, desde que, como nos lembra o historiador José Carlos Reis, nós procuremos lê-las a partir das questões que foram levantadas por seus autores e, sempre tendo em vista, o contexto da época que eles viveram, para não acabarmos cometendo o pecado capital da história: o anacronismo.

 

Dito de outro modo: quando temos em nossas mãos, por exemplo, um livro, ou um curso, ou um documentário a respeito da história do Brasil, nós não possuímos em nossas mãos a versão definitiva dos acontecimentos, não temos a verdade a respeito de uma história mal contada, mas sim, temos um testemunho, sincero ou não, honesto ou não, a respeito da história do nosso triste país, narrado a partir de um olhar, de uma determinada época, que procura responder algumas perguntas e resolver certos problemas.

 

Agora, quando passamos a entregar, pacientemente, a nossa atenção para vários livros, cursos e documentários a respeito da história da nossa pátria amada, aí sim cara pálida, nós estamos começando a conhecer a história em sua complexidade, porque ao coletarmos pontos de vistas distintos, ênfases variadas e perspectivas diversas, nós estamos entrando na teia pegajosa que forma a esse quebra-cabeça incompleto e desbotado que é a realidade.

 

Quando temos tudo isso sendo absorvido e armazenado por nós, em nossa alma, nos vemos forçados a confrontar e contrapor essas narrativas distintas sobre fatos particulares e, como nos lembram os historiadores Carlo Ginzburg e Paul Veyne, iremos nos sentir impelidos a agir feito um detetive, tendo em vista que a resposta não está dada definitivamente em uma obra, unicamente em uma fonte. Nada disso. Ela está no interstício delas que apenas poderá ser vislumbrada na medida em que ligarmos os pontos que dão forma a teia da realidade histórica.

 

Enfim, quando aprendemos a fazer isso, a ligar os pontos entre fatos aparentemente desconexos, aí sim, nós começamos a compreender o quão fascinante é o ofício de um historiador, o quão sublime é descobrirmos o quão redondamente errados podemos estar sobre boleiras de assuntos que acreditávamos, piamente, conhecer tão bem.

 

E isso é tudo, meu caro Watson.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

 

Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CAMINHANDO SEM PRESSA NA CONTRAMÃO

Recentemente tive a alegria de encontrar em um Sebo o livro “Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar”, de Marco Antonio de Carvalho. Na ocasião, não tive como comprá-lo. Já havia fechado minha compra e, em consequência, não tinha mais nenhum tostão no bolso, por isso, deixei o baita na estante, torcendo para que ninguém o comprasse.   As semanas se passaram e lá estava eu, mais uma vez, no mesmo Sebo e, graças ao bom Deus, lá estava o bicho velho, esperando o Darta para levá-lo. Na ocasião estava indo para uma consulta médica e, enquanto aguardava, iniciei minha jornada pelas páginas da referida obra.   Rubem Braga, o homem que passava despercebido no meio da multidão, percebia tudo, tudinho, que a multidão não era capaz de constatar e de compreender. Não é à toa que ele era e é o grande mestre da crônica.   Ao indicar esse caminho, não estamos, de modo algum, querendo insultar ninguém não. O fato é que toda multidão, por definição, vê apenas e tão somente o que os mil olhos da massa

BUKOWSKI DIANTE DAS AREIAS DO TEMPO

O filósofo argentino José Ingenieros, em seu livro “Las fuerzas morales”, nos lembra que cada época tem que lutar para reconquistar a história. As pessoas de todos os tempos, dentro de suas circunstâncias, devem esforçar-se nessa empreitada. O conhecimento, por sua natureza, encontra-se espalhado pela sociedade, em repouso sobre incontáveis fragmentos, como se fosse um oceano de areia diante do horizonte da existência e, cada geração, deve procurar reconstruir, com as areias do tempo, o palácio da memória, o templo da história porque, sempre, cedo ou tarde, vem a roda-viva e sopra novas circunstâncias em nossa vida mal vivida, que vão erodindo todo o trabalho que foi realizado por nós e pelas gerações que nos antecederam. A cada nova circunstância que se apresenta, é necessário que procuremos atualizar a nossa visão do passado, para que possamos melhor compreender o momento presente e, principalmente, a nós mesmos. Nesse sentido, podemos afirmar, sem medo de errar, que a história é sem

REFLEXÕES INOPORTUNAS (p. 02)

A pressa é inimiga da perfeição, todo mundo sabe disso; mas a inércia covarde, fantasiada de prudência e sofisticação, não é amiga de ninguém e isso, infelizmente, é ignorado por muita gente de alma sebosa.   #   #   #   A soberba precede a queda. E entre ela e a queda há sempre uma grande tragédia.   #   #   #   Todo parasita se considera tão necessário quanto insubstituível, especialmente os sacripantas burocráticos e perdulários.   #   #   #   Fetiche por novas tecnologias não é sinônimo de uma educação de qualidade. É apenas um vício invadindo descaradamente a praia das virtudes.   #   #   #   O maior de todos os erros, que podemos cometer por pura estupidez, é imaginar que estamos imunes a eles só porque temos um diploma na parede e algum dinheiro na conta bancária.   #   #   #   Qualquer um que diga que tudo é relativo, não deveria, por uma questão de princípio, jamais queixar-se [depre]civicamente contra a presença de nenhum político, nem reclamar das picaretagens dos incontávei