Fim de tarde. Cá estamos nós
regressando para o aconchego do nosso lar, dedilhando as contas do rosário numa
das mãos, pensando nos sorrisos da filharada, no olhar oblíquo da mulher amada
e, é claro, naquela xícara de café, sem açúcar, que será devidamente degustada
por nós.
O céu troveja, de leve, o que nos
obriga a apertar o passo para que não cheguemos em casa inteirinho molhado. São
Pedro é generoso e espera que cheguemos em nosso rancho antes de começar a
fazer as nuvens se derramarem sobre a terra.
Xícara na mão, computador aberto
diante de nossas vistas com a tela em branco, esperando que nossos dedos
comecem a bailar sobre o teclado para que verta de nossos nervos uma
escrevinhada que tenha alguma valia.
Paramos para tomarmos um gole de café,
ouvindo o roncar do céu em misto com os zunido das motos que passam perto de
onde estamos e, em meio a isso, lembrei-me que, numa das cartas que compõem a
obra “A Barca de Gleyre” de Monteiro Lobato, ele confidenciou a seu amigo
Godofredo Rangel que ele escrevia para um jornal (ou uma revista, não lembro ao
certo), e tinha a clara impressão de que ninguém o lia. Ninguém.
Então, certa feita, quando retornava,
taciturno para seu rancho, viu ao longe um senhorzinho que, sentado em sua
cadeira de balanço, cumprimentou efusivamente o “taturana” e disse-lhe que ele
ficava sempre muito ansioso, no bom sentido, para receber a dita cuja da
publicação só para poder ler as suas crônicas.
Faceiro da vida, Lobato disse ao seu
amigo Rangel, que daquele dia em diante não mais iria desanimar com o número de
leitores que porventura ele teria, pois todas as suas crônicas, enviadas para a
tal publicação, cujo nome me foge à memória, seriam escritas por causa daquele
senhor cujo nome ele não sabia.
Mais curioso que essa confissão do
nosso amado Monteiro Lobato, é a obra “Diário Íntimo” do escritor francês
Henri-Frédéric Amiel. Esse homem amava a literatura, porém, nunca pode
dedicar-se a ela como gostaria, tendo em vista as inúmeras obrigações que ele
tinha com as lides da vida, obrigações as quais eram muito semelhantes às que
todos nós temos de assumir para garantir o sustento das nossas famílias.
Porém, mesmo assim, ele procurou no
correr de toda a sua vida, manter um diário pessoal onde tomava nota dos mais
variados assuntos e a respeito das mais variadas questões. O que ele amava era
escrever, não a badalação literária. Ao fim de sua vida teria ele dito que
ficaria muito feliz se algumas das páginas do seu diário pudessem ser
publicadas.
Bem, foram publicadas pouco mais de
quinhentas páginas das quatorze mil páginas do seu diário com o título de
“Diário Íntimo”. E sou franco em dizer: cada página desta obra é uma profunda
lição que deve ser lida com muita atenção, e ser devidamente meditada por todos
aqueles que tiverem a felicidade de ter esse livro em suas mãos.
Definitivamente esse é um livro de
leitura diária, paciente e constante, similar ao clássico “Imitação de Cristo”,
de Tomás de Kempis. Graças ao bom Deus, existem muitas edições em português
dessa obra e, todas elas, muito bem feitas.
Esse livro, como todos nós sabemos,
foi lido e relido por incontáveis santos da Igreja, uma obra de sabedoria que
deveria estar ao lado da Sagrada Escritura em nossas casas e, da mesma forma que
degustamos diariamente um capítulo da Bíblia, penso que seria de grande
proveito que, também, procurássemos saborear diariamente um capítulo da
“Imitação de Cristo”.
Se inúmeras almas piedosas como Santo
Inácio de Loyola faziam isso, se várias pessoas sábias, como Santa Tereza
D’Ávila, sabiam decor inúmeras páginas dessa obra, penso que isso seja uma
indicação mais do que suficiente para que nos dediquemos a essa empreitada.
Mas qual era o nosso assunto mesmo?
Ah! Sim, estávamos chegando em casa, ansiosos para vermos a filharada e a
esposa faceiros da vida, abraça-los e, sem muita cerimônia, irmos logo tomar uma
xícara de café porque, da mesma forma que o grande mestre Rubem Braga, tínhamos
que encontrar um assunto para escrevinhar uma crônica para nosso ilustre amigo
leitor que, provavelmente, irá deitar suas vistas nessas linhas para
degusta-las e, espero, francamente, que ele faça isso podendo saborear uma boa
xícara de café porque, como todos nós bem sabemos, ler é bom, mas com café é
muito melhor.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva
Zanela
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Um viva ao café e aos bons livros.
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