Pular para o conteúdo principal

CORAÇÕES E MENTES MUTILADOS # 006

  

Motivação. Creio que não há palavra mais entediante do que essa no vocabulário que é utilizado de forma corrente em nossa época. Dá-se a impressão de que se nós estivermos, todo santo dia, tremendamente motivados, ligados no duzentos e vinte, tudo estará resolvido. Pois é. Mas não é assim que a banda toca.

 

Qualquer pessoa suficientemente madura sabe muito bem que no nosso dia a dia o elemento de ordem motivacional é mínimo, para não dizer insignificante. Não apenas isso. Na maioria das vezes, tais elementos dessa feição são simplesmente desnecessários.

 

Aliás, quanto mais uma pessoa se preocupa com a sua motivação, mais ela corre o risco de se ver mergulhada, até os gorgomilos, em uma sorumbática lagoa de desânimo. Na verdade, é o que vemos acontecer, com grande frequência, com muitas pessoas. É o que vemos rotineiramente acontecer com as tenras gerações.

 

E de tanto dar importância para este elemento pra lá de secundário, acaba-se por desdenhar de forma significativa um quesito que, a meu ver, é de fundamental importância para formação do caráter e para a edificação da personalidade de uma pessoa. No caso, seria o senso de compromisso. A capacidade de nos comprometer.

 

Quando assumimos um compromisso, com algo ou com alguém, nós não ficamos olhando para o teto da casa nos perguntando se estamos com o astral legal ou não. Nós simplesmente honramos o compromisso que assumimos, sem choro, nem vela.

 

E o mais engraçado nisso é que, ao final, depois de termos realizado aquilo que havíamos nos comprometido de fazer, nós nos sentimos realizados como pessoa, satisfeitos com o dever cumprido.

 

Não apenas isso. Toda pessoa minimamente madura sabe muito bem que quando não entregamos algo que deveríamos entregar, cedo ou tarde, as consequências irão bater em nossa porta.

 

Por exemplo: se nós não fizermos o almoço, não apenas todos na casa ficarão sem comer, como também ficarão, com razão, pau da vida conosco. Se eu não entregar algo que me foi encomendado por um cliente, não apenas perco o contrato, como corro o risco de perder este e muitos outros clientes pela minha falta de compromisso.

 

Se formos estender o causo, a prosa vai longe, por isso, vamos encurtar a conversa e voltemos os nossos olhos para as tenras gerações e vejamos como o estímulo ao comprometimento destes para com as suas obrigações estudantis passa longe, bem longe, das cabeças daqueles que, com suas ideias inovadoras, determinam a toada da educação nesta terra de desterrados.

 

A grande preocupação das cabeças burocráticas, e das mentes diplomadas, frequentemente está em torno das mais variadas maneiras hi-tec, recém chegadas no mercado, de motivar os mancebos. Uma montoeira de traquitanas, tão engraçadinhas quanto ordinárias, que procuram tornar tudo estimulante, feito uma partida de videogame, mas que caminham léguas de distância do estímulo ao comprometimento consciente do jovem para com o cumprimento dos deveres inerentes a sua condição de aluno.

 

E o sinal mais claro e compreensível de que não atingimos o mínimo esperado em relação aos nossos estudos não é a possibilidade da recuperação, da recuperação, da recuperação do “se liga”, misturado com duas porções de autoajuda e 3⁄4 de vídeos motivacionais. Não cara pálida. É a clara possibilidade da efetivação de uma reprovação.

 

Para que este tome consciência dos seus deveres de estudante, o não cumprimento destes deve ser consequente para que, gradativamente, ele vá adquirindo um claro senso de comprometimento. Senso de responsabilidade esse que irá irradiar seus efeitos benfazejos em todas as esferas da sua vida.

 

Quando compreendemos que todas as escolhas e decisões que tomamos em nossa vida são consequentes, nós passamos a entender que o centro pulsante da nossa vida não é o quão motivado nós esperamos estar, mas sim, o quão comprometidos nós estamos com aquilo que nos foi confiado.

 

Mas, infelizmente, como todos nós sabemos, não é assim que a banda toca e, a depender das ideias politicamente corretas que fazem a cabeça daqueles que têm o timão da educação em suas mãos, dificilmente veremos um doutor em educação, ou um burocrata [politicamente apadrinhado] apontar para essa direção.

 

Porém, nada nos impede de agirmos dentro do quadrado da nossa vida, de procurarmos nos comprometer, de forma efetiva, com a correção dos equívocos que habitam nossa alma. Literalmente, nada, nada nos impede de nos dedicarmos a essa empreitada, a não ser nossa intratável má vontade.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela


Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUITO ALÉM DA CRETINICE DIGITAL

Desconfio sempre de pessoas muito entusiasmadas, da mesma forma que não levo a sério os alarmistas, que fazem uma canja rançosa com qualquer pé de galinha.   Bem, esse não é o caso de Michel Desmurget, doutor em neurociência e autor do livro “A fábrica de cretinos digitais”. Aliás, um baita livro.   No meu entender, essa deveria ser uma leitura obrigatória para pais, professores e, principalmente, para os burocratas e políticos que não se cansam de inventar traquitanas que, hipoteticamente, melhorariam a qualidade da educação.   Não duvido que políticos e burocratas, que se empolgam com toda ordem modismos, estejam cheios de boníssimas intenções, não mesmo. O problema, como todos nós sabemos, é que o inferno está cheio delas.   Enfim, em resumidas contas, a obra de Desmurget nos apresenta estudos, dados, fatos e evidências que demonstram o quão lesivo é para a formação das nossas crianças a exposição precoce e desmedida às telas, da mesma forma que desmitifica inúmer...

UMA ARMADILHA OCULTA EM NOSSO CORAÇÃO

Somos movidos pelo desejo, não temos para onde correr. E esse é um problema que todos nós temos que enfrentar, no íntimo do nosso coração, com as parcas forças do nosso ser.   Diante desse entrevero, Siddhartha Gautama diria que bastaria abdicarmos deles para os problemas se escafederem. Nas suas palavras, desejos seriam como pedras: quanto mais desejamos, mais pesada torna-se a vida.   E ele, em grande medida, está coberto de razão. O ponto é que essa não é uma tarefa tão simples assim. Na verdade, é uma tarefa hercúlea porque, o desejo, não é um mero adereço que usamos e descartamos quando nos dá na ventana. Nada disso.   Ele ocupa um lugar central em nossa vida e, por isso, todos nós temos em nosso âmago um vazio que apenas o absoluto pode preencher. Vazio esse que nos torna um ser sedento por ser. O problema é que não sabemos como fazer isso, nem por onde começar.   Segundo René Girard, o desejo não se manifesta em nós de maneira direta, mas sim, de forma triangu...

UM CASTELO DE CARTAS PÚTRIDAS

Somos uma sociedade espiritualmente adoecida. Aos olhos de qualquer bom observador, isso é algo evidente; mas, infelizmente, devido ao turbilhão de informações de importância questionável, que nos prende junto à poeira da superficialidade, acabamos por não dar a devida importância a esse fato.   Um dos traços desse adoecimento é a grande confusão de valores que invadiu a alma contemporânea, turvando de forma atávica a percepção dos indivíduos e pervertendo o senso das proporções que, como todos sabemos, é a base do discernimento, é a coluna de sustentação da consciência.   Se o amigo leitor, juntamente com seus alfarrábios, acredita que estou tomado por um delírio de ocasião, vejamos alguns dados que, penso eu, podem ilustrar melhor os efeitos que isso tem em nosso campo de percepção.   Segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2019, 95% dos alunos concluíram o Ensino Médio sem um conhecimento adequado de matemática e 69% sem o nível esperado em língua portugue...