Pular para o conteúdo principal

CORAÇÕES E MENTES MUTILADOS # 005


Tudo deve ser chamativo, cativante, empolgante, divertido, estimulante, o maior barato. Essa é a toada que é tocada há décadas por todos aqueles que amam falar sobre a tal da educação sem nunca ter-se dedicado, realmente, por algum tempo, a essa empreitada e, principalmente, sem nunca ter, de fato, levado à sério a sua.

 

Sim, esse é um canto de sereia que é cantarolado em várias esferas, nos mais diversos tons, com os mais variados arranjos e, de tanto ser encenado, incontáveis almas distraídas, num e noutro momento de desatenção, acabam crendo que tal cantilena seja uma expressão fidedigna da realidade e passam a repetir a mesma música como se essa fosse um eco do seu coração.

 

E como esse é um mantra que é repetido exaustivamente por doutores, políticos, burocratas, jornalistas e demais criaturas similares, penso que seja importante lembrarmos de uma obviedade que, ao menos para mim, parece ser tremendamente ululante. A sala de aula não é um picadeiro de circo. A aula não é, e não pode ser, confundida com show de auditório.

 

Um picadeiro deve, necessariamente, ser chamativo, cativante, empolgante, divertido e estimulante; um show de auditório também, pois ambos são elementos que tem por objetivo furtar a atenção dos espectadores para mergulhá-los numa abissal dispersão que em nada os eleva.

 

Uma sala de aula não. A finalidade desse espaço é bem outra e, ao que parece, na cumbuca de políticos, doutores, burocratas, jornalistas e similares, não está muito claro qual seria a função deste espaço, apesar de falarem tanto sobre isso.

 

Esquecemo-nos que, numa formação, pouco importando qual seja, quando nos dispomos a nos submeter ao aprendizado de algo, nós estamos nos entregando ao difícil trabalho de dilatar o nosso horizonte de apreensão da realidade para podermos ampliar a nossa capacidade de compreensão e de ação sobre o mundo, sobre os nossos iguais e, principalmente, sobre nós mesmos e, se estivermos dispostos a isso, inevitavelmente teremos que enfrentar os nossos limites.

 

Aprender, por definição, é isso: superar limites. E não tem lesco-lesco. Superar limites acaba sendo sempre algo desconfortável num primeiro momento, tendo em vista que todos nós gostamos muito de ficarmos “mal acostumados”. Por isso, não há exagero algum em afirmar que a educação é um constante e persistente esforço de auto superação.

 

Aprender a escrever corretamente as palavras de nossa língua materna dói. Tornar-se fluente numa língua estrangeira machuca. Dominar as operações matemáticas elementares é algo doloroso também, como também o é compreender o arco narrativo de uma história, seja ela verídica ou ficcional, da mesma maneira que adquirir alguma excelência em um esporte exige que derramemos alguns borbotões de suor e lágrimas. Dói compor um soneto, da mesma forma que é torturante aprender a tocar um instrumento musical.

 

Enfim, o resultado do aprendizado de qualquer coisa, com toda certeza é algo que traz algum regozijo para a nossa alma, mas aprender algo, de fato, sempre é um trem difícil e doloroso, porque exige que nós abandonemos a nossa mendacidade nada original. Sem esse abandono, não existe esforço sincero, nem aprendizado genuíno.

 

E, assim o é, porque aprender, como havíamos dito, necessariamente é um exercício contínuo e perseverante de auto superação e, qualquer um que diga o contrário, ou está de malandragem, ou não tem a menor ideia do que seja a dita cuja da educação.

 

Essa visão de educação enquanto picadeiro circense, adornado com parafernálias tecnológicas (que são o fetiche número um de almas deformadas que se aninham em cubículos burocráticos), é algo que, por um hedonismo inconfessável, procura sorrateiramente banir do ambiente educacional, todo é qualquer esforço autoconsciente que deveria se fazer presente no cumprimento dos deveres estudantis.

 

No entender dos defensores da espetacularização da educação, tudo deveria ser ensinado de uma forma que o aluno [supostamente] aprenda sem se dar conta de que está aprendendo (como se isso fosse realmente possível).

 

Parênteses: antigamente, se não me falha a memória, o nome que se dava a esse tipo de prática era adestramento, ou manipulação comportamental, não educação. Fecha parênteses.

 

Por fim, penso que seja importante lembrarmos que quanto mais se trata o ato de educar como se esse fosse um reles entretenimento, que deve ser atraente, divertido, empolgante e tutti quanti, menor será a maturidade conquistada pelo infante em sua jornada.


E se ele não é levado a se sentir responsável pelos seus atos e pelas consequências de suas escolhas e decisões, o aluno não estará sendo educado, mas sim, transformado num monstro moral que irá acreditar que algo apenas é digno de sua atenção se apetecer aos seus sentidos entorpecidos de dopamina desde tenra idade.


Dito de outra forma: uma pessoa que não é ensinada a ser consequente, que não é levada a aprender com a correção dos seus erros, definitivamente, é uma pessoa que está sendo deformada, com direito, inclusive, a um histórico bonito e a um diploma ajeitado.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://linktr.ee/dartagnanzanela


Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CAMINHANDO SEM PRESSA NA CONTRAMÃO

Recentemente tive a alegria de encontrar em um Sebo o livro “Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar”, de Marco Antonio de Carvalho. Na ocasião, não tive como comprá-lo. Já havia fechado minha compra e, em consequência, não tinha mais nenhum tostão no bolso, por isso, deixei o baita na estante, torcendo para que ninguém o comprasse.   As semanas se passaram e lá estava eu, mais uma vez, no mesmo Sebo e, graças ao bom Deus, lá estava o bicho velho, esperando o Darta para levá-lo. Na ocasião estava indo para uma consulta médica e, enquanto aguardava, iniciei minha jornada pelas páginas da referida obra.   Rubem Braga, o homem que passava despercebido no meio da multidão, percebia tudo, tudinho, que a multidão não era capaz de constatar e de compreender. Não é à toa que ele era e é o grande mestre da crônica.   Ao indicar esse caminho, não estamos, de modo algum, querendo insultar ninguém não. O fato é que toda multidão, por definição, vê apenas e tão somente o que os mil olhos da massa

BUKOWSKI DIANTE DAS AREIAS DO TEMPO

O filósofo argentino José Ingenieros, em seu livro “Las fuerzas morales”, nos lembra que cada época tem que lutar para reconquistar a história. As pessoas de todos os tempos, dentro de suas circunstâncias, devem esforçar-se nessa empreitada. O conhecimento, por sua natureza, encontra-se espalhado pela sociedade, em repouso sobre incontáveis fragmentos, como se fosse um oceano de areia diante do horizonte da existência e, cada geração, deve procurar reconstruir, com as areias do tempo, o palácio da memória, o templo da história porque, sempre, cedo ou tarde, vem a roda-viva e sopra novas circunstâncias em nossa vida mal vivida, que vão erodindo todo o trabalho que foi realizado por nós e pelas gerações que nos antecederam. A cada nova circunstância que se apresenta, é necessário que procuremos atualizar a nossa visão do passado, para que possamos melhor compreender o momento presente e, principalmente, a nós mesmos. Nesse sentido, podemos afirmar, sem medo de errar, que a história é sem

REFLEXÕES INOPORTUNAS (p. 02)

A pressa é inimiga da perfeição, todo mundo sabe disso; mas a inércia covarde, fantasiada de prudência e sofisticação, não é amiga de ninguém e isso, infelizmente, é ignorado por muita gente de alma sebosa.   #   #   #   A soberba precede a queda. E entre ela e a queda há sempre uma grande tragédia.   #   #   #   Todo parasita se considera tão necessário quanto insubstituível, especialmente os sacripantas burocráticos e perdulários.   #   #   #   Fetiche por novas tecnologias não é sinônimo de uma educação de qualidade. É apenas um vício invadindo descaradamente a praia das virtudes.   #   #   #   O maior de todos os erros, que podemos cometer por pura estupidez, é imaginar que estamos imunes a eles só porque temos um diploma na parede e algum dinheiro na conta bancária.   #   #   #   Qualquer um que diga que tudo é relativo, não deveria, por uma questão de princípio, jamais queixar-se [depre]civicamente contra a presença de nenhum político, nem reclamar das picaretagens dos incontávei