Pular para o conteúdo principal

A NORMA QUE NOS DEFORMA – PARTE II

  

Quando eu ainda era um reles garralho e, faceiro da vida, pegava meu boletim escolar, ou a devolutiva de uma e outra prova, mais do que depressa ia correndo mostrar para meus pais o meu grande feito. Estes, tranquilamente, olhavam bem dentro dos meus olhos, sorriam, me parabenizavam e, logo em seguida, diziam que as notas estavam muito boas, porém, lembravam-me sempre que não bastava ser bom. Era preciso que eu me esforçasse para ser melhor.


No início, naturalmente, em minha cabeça de moleque traquino, tais palavras não eram, como direi, bem recebidas, porque, como todo infante, o que eu queria mesmo era ser elogiado, bajulado por ter simplesmente realizado aquilo que se espera de um aluno e, diga-se de passagem, que é o dever de qualquer filho: honrar pai e mãe.


Mas vejam só a sutileza das palavras: não basta ser bom. É preciso que sejamos melhores. Quando dizemos que algo é bom, de um modo geral, estamos apenas afirmando que esse algo é satisfatório. Só isso. Pouco importa a entonação da nossa voz, ou a ênfase que procuremos dar a nossa declaração, o que nós estamos dizendo é apenas que aceitamos como suficiente o que foi realizado, pouco importando se isso está realmente bem feito, ou mal acabado, ou se poderia ser melhor.


Por isso é preciso, é imprescindível que procuremos ser melhores, que nos esforcemos para não sermos meramente “bonzinhos”. E não há como fazermos isso se não estivermos dispostos a nos ferir naquilo que temos mais apreço.


Aliás, como nos ensina o Mestre dos mestres, “O Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam” (Mateus XI, 12). Ora, se não estamos dispostos a ferir de morte nossa preguiça incurável, nossa vaidade e bem como nossa soberba, jamais conseguiremos que a humildade e o amor à verdade germinem e deitem raízes profundas em nosso coração.


Dito de outro modo, se medimos nossos esforços, tomando como parâmetro a mera aceitação daquilo que realizamos como sendo algo bom, literalmente, estamos nos recusando a reconhecer que carecemos de correção em nossa maneira de ser. Estamos, sem nos darmos conta, dizendo que somos perfeitos e acabados em nossa mal-acabada mendacidade.


Agora, quando admitimos que precisamos ser melhores, estamos afirmando para nós mesmos que estamos dispostos a superar os limites que as circunstâncias nos impõem e, principalmente, os obstáculos que nós colocamos voluntariamente com nossa desídia. E, fazer isso, reconhecer a necessidade de nos corrigir, e de sermos corrigidos, como todos nós sabemos muito bem, é o cão chupando manga.


E, assim o é, porque os maus hábitos que temos, os conceitos errôneos que assimilamos, as ideias equivocadas que cultivamos, as práticas reprováveis que empreendemos, não são meros acessórios que vestimos em nós quando nos dá na telha e depois, simplesmente, largamos quando enjoamos. Não, nada disso. Tais tranqueiras são como se fossem extensões do nosso ser e, por isso, temos que estar dispostos a nos ferir para extirpá-las de nós e, assim, podermos realizar algo, qualquer coisa, com um mínimo de excelência.


E tem outra: essa tal de excelência, nada mais é do que o resultado que se obtém quando aceitamos a necessidade da correção.


Não é à toa que, quando deitamos nossas vistas nas páginas da Sagrada Escritura, mais especificamente no Livro dos Provérbios, inúmeras vezes damos de cara com a afirmação de que o tolo rejeita, despreza e abomina a correção e que, sem ela, sem a tal da emenda, não temos como ser alumiados pela sabedoria.


E venhamos e convenhamos: a correção dificilmente é doce e quem diz o contrário mente descaradamente porque, como todos nós sabemos, um erro para ser realmente reparado, primeiramente deve ser reconhecido, identificado e admitido. Após a admissão, deve-se extirpá-lo e substituí-lo pelo acerto e, para tanto, temos que estar dispostos a praticar uma tremenda violência contra nossa maneira presunçosa de ser. Temos que estar dispostos a extirpar uma extensão do nosso ser para transplantar uma nova e isso, nunca, nunquinha, é uma tarefa que se realiza com um simples clique.


E, como podemos ver e constatar em nossa vida, uma formação séria começa, necessariamente, com a educação da vontade, com a aquisição da autodisciplina, com a conquista de si. Essa é a coluna fundamental, o ponto de partida que, se for desdenhado, tudo o mais acaba por se tornar uma sucessão hedionda de equívocos soberbos como, aliás, tanto vemos abundar na sociedade contemporânea.


Enfim, seja como for, esforcemo-nos para sermos melhores; não nos contentemos em sermos apenas bonzinhos, porque de gente boazinha o twitter está cheio.


Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

Nosso site: https://sites.google.com/view/zanela


Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.




Comentários

  1. Exatamente isto. Mais uma necessária para tirar os tampões da mente e do coração.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

MUITO ALÉM DA CRETINICE DIGITAL

Desconfio sempre de pessoas muito entusiasmadas, da mesma forma que não levo a sério os alarmistas, que fazem uma canja rançosa com qualquer pé de galinha.   Bem, esse não é o caso de Michel Desmurget, doutor em neurociência e autor do livro “A fábrica de cretinos digitais”. Aliás, um baita livro.   No meu entender, essa deveria ser uma leitura obrigatória para pais, professores e, principalmente, para os burocratas e políticos que não se cansam de inventar traquitanas que, hipoteticamente, melhorariam a qualidade da educação.   Não duvido que políticos e burocratas, que se empolgam com toda ordem modismos, estejam cheios de boníssimas intenções, não mesmo. O problema, como todos nós sabemos, é que o inferno está cheio delas.   Enfim, em resumidas contas, a obra de Desmurget nos apresenta estudos, dados, fatos e evidências que demonstram o quão lesivo é para a formação das nossas crianças a exposição precoce e desmedida às telas, da mesma forma que desmitifica inúmer...

UMA ARMADILHA OCULTA EM NOSSO CORAÇÃO

Somos movidos pelo desejo, não temos para onde correr. E esse é um problema que todos nós temos que enfrentar, no íntimo do nosso coração, com as parcas forças do nosso ser.   Diante desse entrevero, Siddhartha Gautama diria que bastaria abdicarmos deles para os problemas se escafederem. Nas suas palavras, desejos seriam como pedras: quanto mais desejamos, mais pesada torna-se a vida.   E ele, em grande medida, está coberto de razão. O ponto é que essa não é uma tarefa tão simples assim. Na verdade, é uma tarefa hercúlea porque, o desejo, não é um mero adereço que usamos e descartamos quando nos dá na ventana. Nada disso.   Ele ocupa um lugar central em nossa vida e, por isso, todos nós temos em nosso âmago um vazio que apenas o absoluto pode preencher. Vazio esse que nos torna um ser sedento por ser. O problema é que não sabemos como fazer isso, nem por onde começar.   Segundo René Girard, o desejo não se manifesta em nós de maneira direta, mas sim, de forma triangu...

NADICA DE NADA

Quanto mais um sujeito fala em liberdade, quanto mais ele acredita ser plenamente livre, “livre da Silva”, mais susceptível ele está a toda ordem de doutrinações e, consequentemente, mais facilmente ele poderá ser subjugado, escravizado, seja por senhores sombrios, seja pelos seus abjetos caprichos.   #   Se tem um negócio que realmente aporrinha é essa conversa toda sobre o poder libertador da cultura. À esquerda vemos a galera falando de cultura como se fosse uma trincheira de luta contra a opressão; à direita tem toda aquela conversa azeda sobre o resgate da alta cultura para salvar a civilização Ocidental. Enfim, apenas pessoas tremendamente incultas tratam a cultura como se fosse uma religião.   #   O igualitarismo é, em sua essência, um veneno terrível, porque quando passamos a tratar a igualdade como critério moral supremo, sem nos darmos conta, acabamos por minar as bases da nossa capacidade de discernir. E isso é uma terrível ameaça, um grande perigo.  ...