Pular para o conteúdo principal

A NUDEZ QUE NINGUÉM QUER VER

O conto de fadas “A roupa nova do rei”, de Hans Christian Andersen, para nossa consternação, sempre tem algo muito desconfortável a nos revelar com a simplicidade de suas palavras.


Sim, dói termos de admitir que somos fascinados demais pelos modismos de última hora, que somos escravos daquilo que os outros pensam — ou deixam de pensar — a respeito de nós e, assim o somos, porque nos recusamos a enxergar e a reconhecer as verdades que estão diante dos nossos olhos e bem debaixo das nossas ventas.


Falando-se de modismos, um que encanta os burocratas do saber são as tais “metodologias ativas”. Para todos os lados que voltamos nossas vistas, encontraremos alguém jogando confetes nas ditas-cujas, conclamando a todos para que tais traquitanas ocupem o centro das salas de aula.


Sim, há muitas pontas soltas em torno desse espinhoso assunto, muitas, mas de todas elas a que mais nos chama a atenção são as observações feitas por alguns alunos que, periodicamente, experimentam esse modismo.


Uns as chamam de “não-aulas”, por despenderem tempo e trabalho demais para algo que poderia ser explicado de uma forma mais simples e direta. Outros, ainda, de forma sarcástica, dizem que a única coisa que essas “metodologias” ativam neles é a má vontade.


Ora, é claro que é bacana ter uma aula com momentos divertidos, mas uma aula não é um parque de diversões. É interessante ter uma brincadeira em meio a uma explicação, mas uma aula não pode ser reduzida a uma brincadeira.


Atualmente, confunde-se de forma perigosa educação com entretenimento e, essa confusão, está corroendo as bases da nossa sociedade, como bem nos adverte Neil Postman em seu livro “Divertirse hasta morir”.


Podemos dizer que, em resumo, o problema central é que se confunde de forma canhestra ser ativo com ser inquieto. Mortimer Adler, por exemplo, nos lembra que ouvir é uma atividade e, acreditem, é preciso aprender a ouvir para termos um bom discernimento e atenção. Atividade essa que só é possível se aprendermos a deixar de ser irrequietos. Mas como fazer isso quando tudo, inclusive o sistema educacional, nos alicia a sermos dispersos?


Enfim, por conta da idolatria a modismos intelectuais, acabamos nos esquecendo das perguntas fundamentais. Perguntas que muitos querem calar porque revelam toda a nudez do rei.

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

POR UM O PONTO ARQUIMÉDICO

O filósofo polonês Leszek Kolakowski nos ensina que, quando começamos a cogitar a possibilidade de sermos uma grande farsa, é o momento em que realmente estamos iniciando nossa jornada pelas sinuosas veredas da filosofia. Se não somos capazes de olhar de frente as nossas misérias demasiadamente humanas, é sinal de que a nossa alma ainda se encontra mergulhada no fundo de uma caverna lúgubre, feito o Gollum do “Senhor dos Anéis”, que não se cansa de ficar acariciando o seu precioso, ao mesmo tempo que se divorcia da realidade. Podemos dizer que no mundo atual somos uma multidão de Gollums vagando de um lado para o outro, cada qual com o seu precioso, perdendo a lucidez, que é a pior cegueira que há, como nos lembra José Saramago. Falta de lucidez essa que nos torna cegos para o mal que se encontra aninhado em nosso coração e que nos impede de reconhecer a humanidade daqueles que odiamos - e que desumanizamos - sem saber porquê. Hannah Arendt, em “As Origens do Totalitarismo”, nos exp...

NO PARAÍSO OCULTO DAS LETRAS APAGADAS

Paul Johnson, no livro “Inimigos da Sociedade”, afirmava que uma das grandes delícias da vida é poder compartilhar suas ideias e opiniões. Bem, estou a léguas de distância do gabarito do referido historiador, mas posso dizer que, de fato, ele tem toda razão. É muito bom partilhar o pouco que sabemos com pessoas que, muitas vezes, nos são desconhecidas, pessoas que, por sua vez, pouco ou nada sabem a nosso respeito. E essa imensidão de desconhecimento que existe entre autores e leitores deve ser preenchida para que aquilo que está sendo compartilhado possa ser acolhido. Vazio esse que só pode ser preenchido por meio de um sincero e abnegado desejo de conhecer e compreender o que está sendo partilhado e de saber quem seria o autor desse gesto. Para realizarmos essa empreitada, não tem "lesco-lesco": será exigida de nós uma boa dose de paciência, dedicação, desprendimento e amor pela verdade. Bem, é aí que a porca torce o rabo, porque no mundo contemporâneo somos condicionados...

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #021

Uma sociedade onde criticar as instituições democráticas é uma impossibilidade pode ser qualquer coisa, menos uma sociedade democrática. # É com a crítica e a autocrítica que uma democracia se aperfeiçoa e se fortalece. Sem isso, ela fenece e se torna uma tirania que, ironicamente, continuará a se apresentar como democracia. # As pelejas políticas nunca são decididas em um único ato. Elas são lentamente desenhadas pela mão não tão invisível do "destino", que é guiada pelo braço do longo prazo. É apenas com o passar do tempo que os atos políticos do presente revelam sua forma e significado. # A construção do conhecimento não pode ser encarada como uma linha de montagem. # Estar publicamente ocupado não é o mesmo que ser produtivo. # Não existem equipes que são essencialmente ruins; o que existe são equipes mal conduzidas por aquilo que poderíamos chamar de líderes "reborn". # As lições que a vida nos apresenta só são difíceis de ser assimiladas por aqueles que fazem ...