Pular para o conteúdo principal

A MELHOR EDUCAÇÃO DA VIA LÁCTEA

Um dos traços degradantes da sociedade atual é a confusão que se estabeleceu entre a categoria da qualidade e a da quantidade. Tal inversão, ao seu modo, turva significativamente a nossa percepção e corrompe os juízos da nossa consciência, como bem nos adverte René Guénon, em seu livro “El reino de la cantidad y los signos de los tiempos”.

 

Sim, eu sei, todos sabem que tal constatação, de certa forma, é óbvia, mas vejamos o quão grave ela é.


O que vale mais: uma tonelada de algodão ou uma onça de ouro? O que seria melhor: mil indivíduos decentes ou uma pessoa misericordiosa? O quantificável ou o qualitativo? Essa é a corrupção da consciência apontada por Guénon.

 

Não há dúvida de que muitas facetas da vida devem ser avaliadas de forma quantitativa, porém, como bem nos lembra Gustavo Corção, esses são aspectos secundários da existência. Os mais importantes, os centrais, não podem ser meramente quantificados. Fazer isso seria uma mutilação medonha.

 

Um bom exemplo disso é a forma como a educação é tratada em nosso triste país. Chega ser tragicômico vermos inúmeros Estados brasileiros propagandeando aos quatro ventos que, em seus prados, a educação é mais supimpa, ostentando índices, gráficos e demais traquitanas estatísticas, devidamente tratadas com aquele banho de maquiagem publicitária.

 

Todos aqueles que, com sinceridade, confrontam esses números fantasiosos com a realidade, percebem que os problemas que obstam a educação são outros, bem diferentes das elucubrações mirabolantes que são pintadas pela burocracia estatal, com índices e metas que pouco ou nada tem que ver com a boa formação dos infantes.

 

Ora, se um Estado tem a melhor educação de todo o Brasil, quiçá da Via Láctea, pergunto: cara pálida, melhor em quê ela é? Em quantidade de acessos a plataformas digitais e no preenchimento de formulários online?

 

Podemos, também, formular a pergunta noutros termos. Se um Estado dispõe do melhor sistema de educação, as tenras gerações estão, realmente, tornando-se pessoas mais aquilatadas do que nós, que vivemos, burguesamente, com nossa indisfarçada indiferença em relação ao futuro das tenras gerações?

 

Pois é, pois é, pois é. Perguntas e mais perguntas, cujas respostas são feias demais para querermos ouvi-las ecoando em nossa consciência claudicante, não é mesmo?

 

*

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

https://lnk.bio/zanela




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUITO ALÉM DA CRETINICE DIGITAL

Desconfio sempre de pessoas muito entusiasmadas, da mesma forma que não levo a sério os alarmistas, que fazem uma canja rançosa com qualquer pé de galinha.   Bem, esse não é o caso de Michel Desmurget, doutor em neurociência e autor do livro “A fábrica de cretinos digitais”. Aliás, um baita livro.   No meu entender, essa deveria ser uma leitura obrigatória para pais, professores e, principalmente, para os burocratas e políticos que não se cansam de inventar traquitanas que, hipoteticamente, melhorariam a qualidade da educação.   Não duvido que políticos e burocratas, que se empolgam com toda ordem modismos, estejam cheios de boníssimas intenções, não mesmo. O problema, como todos nós sabemos, é que o inferno está cheio delas.   Enfim, em resumidas contas, a obra de Desmurget nos apresenta estudos, dados, fatos e evidências que demonstram o quão lesivo é para a formação das nossas crianças a exposição precoce e desmedida às telas, da mesma forma que desmitifica inúmer...

UMA ARMADILHA OCULTA EM NOSSO CORAÇÃO

Somos movidos pelo desejo, não temos para onde correr. E esse é um problema que todos nós temos que enfrentar, no íntimo do nosso coração, com as parcas forças do nosso ser.   Diante desse entrevero, Siddhartha Gautama diria que bastaria abdicarmos deles para os problemas se escafederem. Nas suas palavras, desejos seriam como pedras: quanto mais desejamos, mais pesada torna-se a vida.   E ele, em grande medida, está coberto de razão. O ponto é que essa não é uma tarefa tão simples assim. Na verdade, é uma tarefa hercúlea porque, o desejo, não é um mero adereço que usamos e descartamos quando nos dá na ventana. Nada disso.   Ele ocupa um lugar central em nossa vida e, por isso, todos nós temos em nosso âmago um vazio que apenas o absoluto pode preencher. Vazio esse que nos torna um ser sedento por ser. O problema é que não sabemos como fazer isso, nem por onde começar.   Segundo René Girard, o desejo não se manifesta em nós de maneira direta, mas sim, de forma triangu...

UM CASTELO DE CARTAS PÚTRIDAS

Somos uma sociedade espiritualmente adoecida. Aos olhos de qualquer bom observador, isso é algo evidente; mas, infelizmente, devido ao turbilhão de informações de importância questionável, que nos prende junto à poeira da superficialidade, acabamos por não dar a devida importância a esse fato.   Um dos traços desse adoecimento é a grande confusão de valores que invadiu a alma contemporânea, turvando de forma atávica a percepção dos indivíduos e pervertendo o senso das proporções que, como todos sabemos, é a base do discernimento, é a coluna de sustentação da consciência.   Se o amigo leitor, juntamente com seus alfarrábios, acredita que estou tomado por um delírio de ocasião, vejamos alguns dados que, penso eu, podem ilustrar melhor os efeitos que isso tem em nosso campo de percepção.   Segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2019, 95% dos alunos concluíram o Ensino Médio sem um conhecimento adequado de matemática e 69% sem o nível esperado em língua portugue...