Pular para o conteúdo principal

O RESTO É CONSEQUÊNCIA

Se pararmos para dar umas cutucadas em nosso celular, e nos largarmos de vereda pelo oceano digital, nos distraindo entre um e outro meme, cedo ou tarde, iremos dar de cara com ela: uma publicação patrocinada sobre técnicas e métodos para aumentar a nossa "fodereza".

 

Métodos e técnicas que serão compartilhadas conosco através de um curso todo poderoso [todo gostoso] que, é claro, custará uma [suposta] merreca. Uma merreca diante do conteúdo hipoteticamente único, e supostamente descomunal, que será entregue para nos tornarmos top, ousados, fodas, enfim, para sermos vencedores.

 

E como nós, de um modo geral, nos sentimos frequentemente como um derrotado de marca maior, acabamos caindo nessa arapuca e sendo seduzidos por essas estrovengas de autoajuda, mal disfarçadas de estoicismo 2.0, ou algo similar a isso, porque, como todos nós sabemos, a ambição sem um objetivo claro, é apenas e tão somente o refúgio do fracasso inconfessável, e a isca mais do que perfeita para atrair vigaristas.

 

Ora, não há nada de errado em termos a ambição de realizar um projeto pessoal. Na verdade, o grande erro é que na grande maioria das vezes não temos nenhum plano para a nossa porca vida, o que não nos impede, de jeito-maneira, de ficarmos invejando as pessoas que o tem e, ao contrário de nós, correm atrás do que querem com todas as forças do seu ser.

 

Porém, todavia e, entretanto, não nos esqueçamos que essa invejinha malvada envenena a nossa alma com o mais peçonhento ressentimento, junto com a mais cáustica auto piedade.

 

Se somos assim, lascou-se tudo porque, de fato, somos um fracasso só. Somos o sujeito que fica ambicionando realizar algo grandioso sem, necessariamente, nos esforçarmos para irmos nessa direção.

 

E essa é a encrenca toda quando adquirimos cursos e mais cursos que se propõem a nos ajudar a sermos mais “phodas” porque, na real, bem na real, o que estamos de fato querendo com essas coisaradas todas é tão somente fugirmos de nós mesmos, mesmo que seja por apenas alguns momentos, para fingirmos que somos alguém que, possivelmente, jamais iremos ser.

 

Deste modo, fica patente que o problema não está nos cursos e livros de autoajuda, muito menos nos mentores estoicos 2.0. O problema está em nós mesmos, nessa nossa mania aburguesada de sentirmo-nos totalmente satisfeitos com o trem fuçado que a gente é e, ao mesmo tempo, estarmos profundamente descontentes com aquilo que temos.

 

E é isso, bem isso, que as pessoas desprovidas de ambição desejam com todas as forças do seu ser. Elas querem o patrimônio, a carreira, o sucesso, o reconhecimento e o cafuné que elas veem nas vidas vividas por uma montoeira de indivíduos, mas não querem deixar de ser esse troço esculhambado que elas são.

 

Enfim e por fim, antes de querermos ser top, ousado, foda, vencedor ou descolado, procuremos, na medida do possível, sermos gente. Esse é o primeiro passo. O resto é consequência.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

 

Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O ABACAXI ESTÁ EM NOSSAS MÃOS

Dia desses, eu estava folheando um velho caderno de anotações, relendo alguns apontamentos feitos há muito tempo, e entre uns rabiscos aqui e uns borrões acolá, eis que me deparo com algumas observações sobre o ensaio "La misión pedagógica de José Ortega y Gasset", de Robert Corrigan. Corrigan faz algumas considerações não a respeito da obra do grande filósofo espanhol, mas sim sobre o professor Ortega y Gasset e sua forma de encarar a vocação professoral. O autor de "La rebelión de las masas" via sua atuação junto à imprensa como uma continuação de suas atividades educacionais, onde apresentava suas ideias, marcava posição frente a temas contemporâneos e, é claro, embrenhava-se em inúmeros entreveros. Ele afirmava que, para realizarmos com maestria a vocação professoral, é necessário que tenhamos nosso coração inclinado para um certo sacrifício heroico, para que se possa realizar algo maior do que nós mesmos: o ato de levar a luz do saber para os corações que se ve...

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO HETERODOXO #009

Todo orgulhoso se borra de medo da imagem das suas incontáveis imperfeições.   #   Onde não há preferência sincera, há indiferença cínica.   #   Tudo termina tragicamente quando a paciência finda melancolicamente.   #   O impulso de querer racionalizar tudo é o maior inimigo da racionalidade e do bom senso.   #   A verdadeira história da consciência individual começa com a confissão da primeira mentira contada por nós para nós mesmos.   #   Frequentemente somos firmes por pura fraqueza e audaciosos por mera teimosia.   #   Podemos usar as novas tecnologias para sermos reduzidos a uma escravidão abjeta, ou nos servirmos delas para lutarmos para preservar a nossa liberdade interior e a nossa sanidade.   *   Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “REFAZENDO AS ASAS DE ÍCARO”, entre outros livros. https://l...

NÃO IGNOREMOS OS OMBROS DOS TITÃS

Nós não somos apenas os caminhos que percorremos, os tropeços que damos, as circunstâncias que vivemos. Somos também e, principalmente, o modo como encaramos os nossos descaminhos, a forma como enfrentamos nossas desventuras, a maneira como abraçamos o conjunto desconjuntado da nossa vida. Como nos ensina Ortega y Gasset, é isso que somos; e se não salvamos as nossas circunstâncias, estamos condenando a nós mesmos.   Dito de outro modo, podemos olhar para nossa sombra e lamentar a nossa diminuta condição ou, em vez disso, podemos nos perguntar, de forma resoluta, o que podemos fazer de significativo com o pouco que temos e com o nada que somos.   Para responder a essa espinhosa pergunta, mais do que inteligência e sagacidade, é preciso que tenhamos uma profícua imaginação, tendo em vista que pouco poderá ser compreendido se nossa imaginação for anêmica.   Lembremos: nada pode ser acessado pela nossa compreensão sem que antes tenha sido devidamente formulado pe...