Pular para o conteúdo principal

O FRIO NÃO VEIO PARA FICAR

 

Rapaz do céu, que frio é esse que não nos pertence? É só o frio que, de tempos em tempos, nos faz gelar os pés, bater o queixo e tremer a carcaça toda. Nada de novo e, mesmo assim, nos sentimos surpreendidos quando vemos que, ao aproximar-se o meio do ano, o frio esteja nos esperando, de braços abertos, para nos dar um abraço nem um pouco quentinho.

 

Da mesma forma, não deveria nos surpreender e, imagino eu, não deva ser surpresa alguma para ninguém, vermos que aqueles que mais criticam a ostentação alheia sejam justamente os caboclos que mais se esbaldam, que vivem feito nababos, fazendo pose para todas as câmeras, curtindo as delícias e os confortos que apenas o dinheiro ganho com o suor alheio é capaz de comprar para um casamento, para um jantar ou para qualquer coisinha similar.

 

Há quem diga que todo o luxo e todas as comodidades que as vivas almas mais honesta de toda Via Láctea desfrutam não são bens, como direi, seus, mas sim, generosos mimos que lhes são oferecidos - graciosamente, que isso fique claro - pelos amigos dos amigos do pai não sei de quem, amigos endinheirados, ligados ou não a empreiteiras ou tranqueiras desta estirpe. E, com amigos pródigos assim, para que se preocupar em amealhar bens nesta vida não é mesmo?

 

Amealhar alguns caraminguás nesta vida para tentar legar para os filhos um pampa melhor, para que eles possam ter mais oportunidades em suas lutas diárias, é coisa de gente da, como dizem, “odiosa classe média”, que procura ganhar o pão de cada dia com o fruto do trabalho de suas mãos, sem espoliar o suor sagrado do labor de ninguém.

 

Mas os tiranos, não é de hoje, são assim mesmo. Da mesma forma que os invernos continuam sendo frios, os déspotas continuam a viver e agir na mesma vibe. Joseph Stalin, Adolf Hitler, Mao Tse Tung, Muammar al-Gaddafi, Hugo Chávez e tutti quanti estão sempre na mais fina sintonia.


E digo tutti quanti porque a lista é bem grande. Esses indignos dignitários, que se apresentavam como “guias geniais dos povos”, viviam, como dizem os populares, “no bem bom”, enquanto o povo penava pelo crime de não ter feito mal algum, por apenas querer viver uma vida comum.

 

E é claro que esses senhores, todos eles e mais alguns, não se cansam, jamais, de criticar de forma ferina o suposto “desperdício” e hipotética “ostentação” que era e é realizada pelas pessoas que, segundo eles, são alienadas, egoístas, desprovidas de empatia e que, por isso mesmo, só pensam em dinheiro e não são capazes de se indignar com os sofrimentos que são vividos pelos desvalidos da terra.

 

Sim, tiranos adoram dar esse tipo de sermão postiço com farsescos odores franciscanos enquanto se locupletam com bens que foram obtidos através da expropriação de tudo, ou de quase tudo, em nome, é claro, do bem do povo, que eles juram de pés juntos defender até debaixo d’água [bem gelada].

 

O bem do povo. Pobre povo. Em seu nome, e em nome da construção de um mundo melhor, foram realizadas, no correr da história do mundo moderno, toda ordem de atrocidades, pois, como bem nos ensina o filósofo Albert Camus, a defesa do bem-estar do povo é a marca distintiva de todos os tiranos. Sim, de todos eles.

 

Desde gângsteres sem CPF até genocidas, todos eles dizem para todos, e para si, que tudo o que eles estão fazendo é em nome de “um bem maior” e que, por essa razão, qualquer barbaridade que eles venham realizar em nome da aurora deste suposto “bem maior” estaria mais do que justificada, pois, para esse tipo de gente, tudo vale a pena se a peçonha ideológica e a rapina egolátrica não forem pequenas.

 

Diante disso, não temos como não lembrar das palavras do filósofo norte americano Henry Thoreau. Ele sabia muito bem o que estava dizendo quando afirmou que o melhor governo é aquele que menos governa. O sábio chinês Lao-Tsé, por sua deixa, muito, muito tempo antes de Thoureau, havia dito o mesmo.

 

E ambos estão cobertos de razão, pois, como bem apontou Mikhail Gorbachev, aqueles que mais falam em defesa do povo, como se fossem seus legítimos e exclusivos representantes, são justamente os que menos trabalham em favor deles.

 

É isso aí. O frio, como dizem, “chegou chegando”, e chegou sem dó. Então, sem demora, doe um agasalho, doe mais de um se você puder, e deixe que os autoproclamados “defensores do povo” falem até cansar, pelos cotovelos, em seus casamentos, jantares e coquetéis fechados, porque, como todos nós sabemos, os pequenos gestos, abnegados, silentes e sinceros, sempre foram muito mais agradáveis aos céus, do que as promessas vagas de uma redenção política, baseadas em ideologias toscas que, sem sutileza alguma, engambelam o presente de nós todos e destroem o futuro todos nós.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

 

Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CAMINHANDO SEM PRESSA NA CONTRAMÃO

Recentemente tive a alegria de encontrar em um Sebo o livro “Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar”, de Marco Antonio de Carvalho. Na ocasião, não tive como comprá-lo. Já havia fechado minha compra e, em consequência, não tinha mais nenhum tostão no bolso, por isso, deixei o baita na estante, torcendo para que ninguém o comprasse.   As semanas se passaram e lá estava eu, mais uma vez, no mesmo Sebo e, graças ao bom Deus, lá estava o bicho velho, esperando o Darta para levá-lo. Na ocasião estava indo para uma consulta médica e, enquanto aguardava, iniciei minha jornada pelas páginas da referida obra.   Rubem Braga, o homem que passava despercebido no meio da multidão, percebia tudo, tudinho, que a multidão não era capaz de constatar e de compreender. Não é à toa que ele era e é o grande mestre da crônica.   Ao indicar esse caminho, não estamos, de modo algum, querendo insultar ninguém não. O fato é que toda multidão, por definição, vê apenas e tão somente o que os mil olhos da massa

BUKOWSKI DIANTE DAS AREIAS DO TEMPO

O filósofo argentino José Ingenieros, em seu livro “Las fuerzas morales”, nos lembra que cada época tem que lutar para reconquistar a história. As pessoas de todos os tempos, dentro de suas circunstâncias, devem esforçar-se nessa empreitada. O conhecimento, por sua natureza, encontra-se espalhado pela sociedade, em repouso sobre incontáveis fragmentos, como se fosse um oceano de areia diante do horizonte da existência e, cada geração, deve procurar reconstruir, com as areias do tempo, o palácio da memória, o templo da história porque, sempre, cedo ou tarde, vem a roda-viva e sopra novas circunstâncias em nossa vida mal vivida, que vão erodindo todo o trabalho que foi realizado por nós e pelas gerações que nos antecederam. A cada nova circunstância que se apresenta, é necessário que procuremos atualizar a nossa visão do passado, para que possamos melhor compreender o momento presente e, principalmente, a nós mesmos. Nesse sentido, podemos afirmar, sem medo de errar, que a história é sem

REFLEXÕES INOPORTUNAS (p. 02)

A pressa é inimiga da perfeição, todo mundo sabe disso; mas a inércia covarde, fantasiada de prudência e sofisticação, não é amiga de ninguém e isso, infelizmente, é ignorado por muita gente de alma sebosa.   #   #   #   A soberba precede a queda. E entre ela e a queda há sempre uma grande tragédia.   #   #   #   Todo parasita se considera tão necessário quanto insubstituível, especialmente os sacripantas burocráticos e perdulários.   #   #   #   Fetiche por novas tecnologias não é sinônimo de uma educação de qualidade. É apenas um vício invadindo descaradamente a praia das virtudes.   #   #   #   O maior de todos os erros, que podemos cometer por pura estupidez, é imaginar que estamos imunes a eles só porque temos um diploma na parede e algum dinheiro na conta bancária.   #   #   #   Qualquer um que diga que tudo é relativo, não deveria, por uma questão de princípio, jamais queixar-se [depre]civicamente contra a presença de nenhum político, nem reclamar das picaretagens dos incontávei