Pular para o conteúdo principal

CORAÇÕES E MENTES MUTILADOS # 011

 

A excessiva ênfase que se dá, na sociedade contemporânea, a importância dessa tal de “autoestima”, não ajuda em nada os indivíduos que se sentem sempre pra baixo. Na verdade, bem na verdade, acaba, em muitos casos, fazendo muito mais mal do que promovendo algum bem que seja.

 

De um modo geral, quando nos sentimos pra baixo, com nossa estima soterrada sobre um montão de tristezas, mágoas e ressentimentos, isso se deve, em muitíssimos casos, a um problema com dois vetores.

 

O primeiro é que, muitas vezes, sentimo-nos como se fôssemos o subnitrato da existência vegetativa, porque nos comparamos àqueles que são melhores do que nós em alguma coisa que nunca nos esforçamos para sermos bons. E, ao sermos defrontados com tal figura, inevitavelmente nos comparamos a ela e percebemos que não somos bons como ele naquilo que ele faz. Não apenas isso. Descobrimos que não procuramos ser bons em patavina alguma. Aí o trem degringola de vez ladeira abaixo.

 

Tal informação, quando é atirada em nossas ventas pela realidade, acaba sendo desconcertante por demais e, naturalmente, ao invés de refletirmos sobre esse quadro comparativo e procurarmos corrigir nossa tristonha figura, sem querer querendo, acabamos por nos afogar em borbotões e mais borbotões de inveja, ressentimento, ingratidão, mágoa e, é claro, em algumas boas doses de vitimismo que, nada mais é que aquele sentimento de auto-justificação que alimentamos em nossa alma, dizendo para nós mesmos, e para todos que estiverem próximos de nós, que o mundo, a sociedade, o sistema e o raio que o parta, são responsáveis pela nossa desventura em série porque, nenhum deles, fez por nós o que nós mesmos deveríamos ter realizado por nós.

 

Todos nós, se tivermos um cadinho de sinceridade em nosso coração de geleia, iremos, mais do que depressa, reconhecer os inúmeros momentos em que agimos bem desse jeitão. Como diria o Senhor Omar, isso tudo é trágico, mas, infelizmente, não somos tão maduros como presumimos que somos, nem tão fortes como acreditamos ser.

 

Por isso é fundamental que, antes de qualquer coisa, façamos algo que, provavelmente, muitos de nós nunca cogitou fazer em sua vida: estabelecer, para nós mesmos, como nos ensina Michel de Montaigne, algumas metas e padrões de excelência que iremos almejar realizar nesta porca vida.


Ao estabelecermos algumas excelências para serem atingidas por nós, isso não significa que, necessariamente, iremos alcançá-las. Nada disso. Isso apenas sinaliza que nós estabelecemos para nós mesmos um padrão de mensuração elevado para avaliarmos a nossa mediocridade cotidiana, para que possamos, gradativamente, com muito esforço e perseverança, sairmos dela e nos tornarmos mais e mais próximos da excelência que queremos intensamente conquistar.

 

Lembremos: quando falamos em excelência, estamos falando em virtudes e estas, por definição, são elementos que, se forem devidamente exercitados, nos fortalecem, porque as virtudes são o próprio bem e, como todos nós sabemos, mas fingimos não saber, o bem não é para ser meramente admirado, exibido ou usado como fantasia. Não. O bem existe para ser praticado, realizado e vivido. Bem vivido, bem realizado e, é claro, bem praticado.

 

Porém, todavia e entretanto, quando nós não fazemos a menor questão de estabelecer uma excelência para ser alcançada, estamos - mais uma vez, sem querer querendo – dizendo para nós mesmos que estamos muito satisfeitos com nossa mendacidade cotidiana. Não apenas isso. Sentimo-nos ofendidos com a presença de qualquer um que simplesmente ouse não aceitar a mediocridade reinante como padrão a ser ambicionado.


Aí amigão, é nesse sentido, que boa parte de toda essa conversa, cheia de boas intenções, para levantar a estima da galera que está pra baixo, acaba sendo apenas um subterfúgio para justificar a nossa desídia existencial nada original.

 

Ora, se apenas gostamos de ficar garbosamente justificados dentro dos limites de nossa má vontade, o tédio, a inquietação, o desassossego, a falta de concentração, a ansiedade e tutti quanti, com o tempo passarão a ser o nosso dia a dia. Agora, se passamos a ter um cadinho de ousadia e procuramos não apenas estar diante dos limites de nossas capacidades, mas procuramos desafiar esses limites para ultrapassá-los, sem nos darmos conta, estaremos fortalecendo a nossa personalidade duma forma que, até então, éramos incapazes de imaginar.

 

Quando realmente exercemos nossa liberdade, não ficamos esperando que os outros façam por nós algo que nós não nos esforçamos, nem um pouquinho, para realizar com nossas próprias capacidades. Quando somos livres, procuramos encarar os nossos limites para expandi-los e, para tal dilatação, é preciso que enfrentemos não a possibilidade do fracasso, que é uma fonte preciosa de aprendizado, mas sim, o medo da derrota, o pânico diante da possibilidade da frustração, que é um veneno pérfido que asfixia a alma humana.

 

Pois então, meu caro Watson, quando nós não encaramos de frente a possibilidade de sermos frustrados em nossas ações, numa velocidade muito maior do que gostaríamos de admitir, nós acabamos nos tornando alguém muito abaixo da pessoa que poderíamos ser. Neste ponto, é muito importante que lembremos da parábola dos talentos (MATEUS XXV,14-30).

 

E se formos um pouco mais abusados, iremos perceber, de forma cristalina, que é isso que o sistema educacional acaba fomentando nas tenras gerações quando ele procura, através dos mais variados subterfúgios, impossibilitar a efetivação da reprovação de um aluno que fez questão de não mover mais que uma palha na direção da excelência do aprendizado.

 

Aliás, conforme nos lembra Jordan B. Peterson, quando somos estimulados a nos esforçarmos para otimizar nosso desempenho futuro, nós acabamos nos sentindo, de certa forma, revigorados, animados para tornar tal otimização efetiva no presente. Agora, quando não temos diante de nossas vistas, à excelência como objetivo a ser atingido, com o tempo, nos vemos, como boleiras de pessoas, se arrastando pelos cantos, tomados pela preguiça, inconscientes de nossas atitudes inconsequentes, inconsistentes e apáticos.

 

E aí, o que temos com frequência, sendo apresentado como uma solução para esse enfermidade da alma, é a superproteção na forma de “valorização da autoestima” que, ao invés de levar os indivíduos a tornarem-se cônscios dos males que os afligem, apenas os faz se sentirem justificados em sua má vontade que foi, de certa forma, estimulada pelo mesmo discurso que agora se apresenta como se fosse a solução para todos os seus problemas.

 

Por essas e outras razões que essa impostura de décadas, que transformou a possibilidade de reprovação de um educando em algo praticamente impensável - e que é fantasiada como sendo uma conquista pedagógica - vem dia após dia desmoronando e revelando ser o que realmente é: uma grande farsa que, sem a menor cerimônia, não se cansa arruinar a vida de incontáveis jovens com a desculpa de estar procurando melhor atender os seus anseios e interesses.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela


Inscreva-se [aqui] para receber nossas notificações.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A GRANDE LIÇÃO ENSINADA PELOS PEQUENINOS

Gosto de me reclinar no sofá, ficar olhando para o nada e nada fazer, nada pensar. Quando faço isso, ouço o som de passos miúdos vindo em minha direção e, do nada, eis que um serzinho atira-se sobre mim, cheira-me obsessivamente, reclina-se no meu colo e acomoda o seu queixo sobre o braço da poltrona. Esse era o Aang. Não o avatar, o último dominador do ar, do desenho animado. Era apenas o nosso cão. Quando fomos pegá-lo, ainda filhotinho, havia uma ninhada. Minha filha ficou encantada. Queria todos, mas, por certo e por óbvio, não tinha como. Aí, um deles, todo branquinho, com algumas manchas marrons, veio na sua direção. Ela estava sentada sobre os seus calcanhares; ele se aproximou e pôs-se a lamber a sua mão. Seus olhos cintilavam. “É esse! É esse! Ele me escolheu!” E sentenciou: “Você vai se chamar Aang”. E assim foi. As travessuras e estripulias que esse doguinho aprontava desde que chegou não estão no gibi. Se fosse contá-las, uma por uma, essa crônica não terminaria tão cedo. E...

AS MÁSCARAS DOS VELHOS CARNAVAIS

O escritor argentino Ernesto Sábato, em seu livro “Heterodoxia”, dizia que falar mal da filosofia é, inevitavelmente, também fazer filosofia. Mas má filosofia. Também podemos afirmar que ficar tecendo mil e um elogios à filosofia, e à vida intelectual, não é, nem de longe, uma atitude digna de um postulante a filósofo.   Esses dois personagens, de certa forma, são figuras típicas do nosso tempo, onde todos nós vivemos atolados até os gorgomilos com informações de toda ordem e dos mais variados níveis de credibilidade e valia.   O primeiro, de um modo geral, se ufana de ser uma pessoa prática, formatada pela rotina, devidamente esquadrinhada pelas expectativas que são apresentadas pela sociedade e estimuladas pela grande mídia e pelos círculos de escarnecedores digitais.   O segundo, por sua vez, é muitíssimo semelhante ao primeiro, porém, não quer, de jeito-maneira, se sentir semelhante a ele. Nada disso. O abençoado quer parecer melhor, sem o sê-lo; quer porque quer exal...

A VIDA COMO ELA É

Todos queixam-se que a vida está acelerada. Todo santo dia é a mesma coisa, aquela correria que invade a olhar sem pedir licença, acomodando-se em nossa alma sem a menor cerimônia.   Os dias voam, mesmo não tendo asas. As horas se dissipam feito fumaça de cigarro, levando os momentos que dão forma, cor e sentido à nossa jornada por esse vale de lágrimas.   E o trem descamba de vez quando nos aproximamos dos dias em que as cortinas, de mais um ano que se despede, se fecham, sem deixar ao menos um bilhetinho de despedida sobre a mesa.   Nestes dias, o coração bate mais forte, o suor corre num passo frio pelos sulcos rasos do nosso rosto, desejoso de tornar-se um caudaloso rio.   E nesse açodamento de querer fazer não-sei-quê que toma conta do nosso ser, acabamos ficando indiferentes ao amor, insensíveis a dor dos nossos semelhantes, apáticos diante da realidade que invade nossa vista, impassíveis perante a nossa própria humanidade, indolentes diante da majestade de Deu...